Um pastor de ovelhas enamorado

Ele empurra as teimosas ovelhas morro acima.

O sol baixando no horizonte dá uma folga no calor do dia e ele seca o suor na barra do manto.

Em meio aquele cenario que se descortina dali, à sua frente a imensidão silenciosa em tons de bege de um deserto e atrás de si, a mancha verde do oásis que faz divisa com uma sucessão de colinas brancas e rochosas com tufos de mato açoitados pelo vento forte e disputados pelas cabras monteses.

Ao longe uma caravana se aproxima em fileira pra passar a noite no oásis.

Apoia-se no cajado olhando o vale lá embaixo. Seus olhos se fecham diante da claridade e ele olha sonhadoramente tudo aquilo.

Lembra de quando chegou ali, fugindo de desavenças familiares que ele mesmo criara.

Da banda daquele deserto, muito lá atrás daquelas infindáveis dobras de areia, fica a terra em que nasceu.

Sente desejo de ir lá, mas teme que as mágoas criadas estejam ainda em pauta.

Respira fundo, enquanto o rebanho vai se aquietando e uma ou outra ovelha teima em buscar moitas espinhentas. Pega as teimosas com a ponta enrolada do cajado.

Ele espera que elas se aquietem. Senta-se junto à uma pedra e tira do alforje um pouco de lentilha amassada que come devagar com a porção de carne cheirosa assada naquela manhã.

As ovelhas já estão deitadas e aqui e ali um balido se ouve no meio das centenas de animais.

Aquele será seu acampamento naquela noite. Voltará pela manhã enquanto as ovelhas passarão todo o verão nos altos.

Sente-se em paz e tira da dobra do manto uma tosca flauta que lhe faz companhia nas noites frias, vizinha daquele deserto.

Começa a entoar uma melodia e sente-se acompanhado. Vê o rosto dela, percebe-lhe o talhe gracioso como, quando ela se encaminha ao poço. Isso alegra sua alma. Sonhos que de olhos fechados parecem reais, palpáveis.

Os dias não são mais uma sucessão sem valor ou começo e fim. O tempo agora é contagem regressiva.

Imprime mais sentimento ao cântico e sabe que lá embaixo no vale, ela ouve e entende seu amor.

Nem o calor do dia, nem a labuta constante, nem as feras que espreitam o rebanho, nem a dureza do seu patrão, não são capazes de tirar-lhe o ânimo, pois os sete anos contados pra tê-la, escorrem suavemente e o prêmio de que vai recebê-la como esposa, dão cor ao dia vermelho que se finda naquelas paragens.

Lá embaixo, o silêncio já tomado pela escuridão da noite que se assenhoreia de tudo.

Só um fio de fumaça que sobe da casa, denuncia a presença humana.

Ele sorri na semi-escuridão, imaginando o que ela estaria fazendo. Sabe que ela o espera com paciência e respira fundo.

Faltam ainda três anos, que lhe parecem pouco que muito que a ama.

YARA FRANÇA
Enviado por YARA FRANÇA em 18/08/2012
Reeditado em 20/08/2012
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