CRONICA DESACORDADA.
Por Carlos Sena
Por Carlos Sena
Acordei como quem não acorda. Acorde do medo? Acorde do credo? Acorde da vida? Tudo junto, mas a rigor, acorde da esperança. Sendo a vida uma bela canção, umas páginas sonoras sem fim preferem um acorde em tom maior. A existência, em suas diversas forma de ritmos e tons me enleva ora em valsa, ora em frevo, ora em forró, ora em clássicos, ora em sambas enredos. Enredos do viver conjugados com o sentir. Afinal há tantos que por aí vivem sem o prazer do sentir, por ignorância, por maldade, por natureza morta, ou simplesmente por indiferença com a vida.
Acordar como quem não acorda é o limbo das nossas intimas elucubrações. É como se entre a terra e o céu o espaço sideral entre os dois nos servisse de abrigo. Algo como o “útero” da nossa mãe que, por não dispormos mais na forma original, buscamos noutra forma simbólica como anteparo de proteção. Por isto a vida é UM ACORDE – aquela parte da música que parece dar mais vida a melodia, que parece torná-la mais perto do coração. Por isto sou hoje o meu acorde. Se há notas desafinadas em minhas canções de hoje, certamente elas irão ser introjetadas no limbo que o universo reserva para nos saciar a sede e a angústia que a falta de justiça e de amor nos causam.
Lá fora há musica incidental de primeira linha. Daquelas que nos conduzem ao infinito sem que precisemos sair da terra. Junto de mim, objetos me ignoram. O silencio do apartamento me ignora. As plantas da minha varanda me ignoram. O sol lá de fora, não. Ele adentra a minha janela como se me quisesse acordar. Sinto em seus raios a voz dos anjos me lembrando, a despeito do poeta: “Sossega, Carlos. Porque hoje é domingo, amanhã é segunda e na terça-feira ninguém sabe o que será”... Há fotossíntese nesse brilhar de sol que agora me acorda e me sacode não pra fora do meu quarto, nem do meu apartamento, mas pra fora de mim. Por isto há fotossíntese nesse sol que tenta queimar o sal dos meus tormentos, o suor dos meus lamentos... Pela compreensão dessa mística musical, vejo no horizonte os acordes dos ventos na popa dos altos coqueiros da minha terra. Alvíssaras, alvíssaras. Ao longe, no limite dos olhos entre as águas do mar e o horizonte, vejo que uma canção em forma de fado me busca. Nunca me enfado de ter esperanças e por isto canto e por isto me lanço no ritmo dos ventos e no acorde de canções que ao vento se vão pela janela do meu quarto...