Foto: Festival Intenacional de Filmes Curtíssimos
Crônica #118: NEM LARANJA NEM ABACAXI
No último domingo, Dia dos Pais, fui com meu Filho Tiago, assistir ao Festival Internacional de Filmes Curtissimos (máximo 3min) na Praça do Itapoã, no Gama – DF. Este evento foi uma extensão do festival que acontecia aqui em Brasília no Museu Nacional da República de 8 a 12 deste mês de agosto.
Tive a agradável surpresa de assistir ao curta FRONTEIRAS (uma exceção, visto que o Festival era de curtíssimos), produzido por meu filho e Rodrigo e dirigido por Júnior Rechi. Foi um colírio para os meus olhos e um regalo para minha alma que transbordou de contentamento.
Atrair o povão para um Festival de Cinema em praça pública é uma tarefa difícil e de grande risco. Infelizmente, a Secretaria de Cultura do GDF teve que usar de artificio, colocando um palco 'hightec' na praça com bandas de pagodes a tocar com estrondantes paredão de alguns Megatons de potência, enquanto se projetavam os filmes de curtíssima duração. E o povão nem aí para os filmes, salvo uns poucos entre os quais me encontro. Era como filmes pra surdo ver. Somente durante o filme FRONTEIRAS, o som foi exclusivamente para este, o qual foi projetado no intervalo de duas bandas.
Dentre os filmes curtíssimos, um me chamou a atenção. Não gravei nem título, nem o produtor, nem o país de origem, mas pude deduzir os argumentos. Um filme muito bem bolado e bem executado. Um desenho animado com uma profunda mensagem:
[Num Verdurão havia uma banca de doces laranjas e, dentre muitas outras frutas, havia também uma banca de deliciosos abacaxis. Donas de casa iam à feira comprar frutas. Compravam tanto laranjas quanto abacaxis.
Havia uma laranja que não estava satisfeita com a sua condição de fruto cítrico. Sonhava e delirava se tornar suco de abacaxi. "Ah! Como seria bom e confortante ser batido no liquidificador com açúcar ou leite condensado e ser sorvido!" Ficava toda arrepiada só de pensar.
Suas irmãs não entendiam sua revolta por não ter nascido abacaxi. Ela viva dizendo que por fora era laranja, mas por dentro era puro e legítimo abacaxi. Um dia iria provar isso. Ficava pelos cantos a delirar e sonhar acordada com devaneios bromeliáceos.
Certa feita, procurou um engenheiro agrônomo e se submeteu a uma plástica transgênica. Fez o implante de uma coroa de abacaxi e lá foi ela se rebolando e desdenhando do seu antigo clã para a banca de abacaxis. Queria ser mais abacaxi do que os originais. Quando alguém se aproximava da banca, corria para a frente e para a mão do comprador para ser logo comprada, mas de nada adiantava, porque o que procuravam era mesmo um abacaxi verdadeiro.
O “abacaranja” (ou seria “larancaxi”?) ficou triste e mui frustrado. Quando fecharam o Verdurão, nem conseguiu dormir direito. Teve um terrível pesadelo. Sonhou que nunca seria escolhida e que seria jogada num canto escuro onde murcharia, secaria degradada, embolorada e bem fedida. Logo ela que certamente seria a única que poderia servir um suco de abacaxi com sabor laranja. Ninguém mais,além dela, seria capaz.
No dia seguinte, para surpresa sua, uma garota aproximou-se da banca e apanhou-a de primeira. Nem cabia em si de contentamento. Iria virar suco de abacaxi. Ao chegar em casa, que decepção! A menina levou para seu quarto e colocou-a no armário, com suas bonecas. Eram várias bonecas exóticas, duas delas com penteados semelhantes a coroa de abacaxi, como a que ela havia implantado em si. Ficou desesperada e triste.
- Mas que azar! Numa fui escolhida e quando sou, foi pra ser boneca! Bom seria que eu nunca tivesse deixado de ser o que eu era. Há muito teria sido um desejável e refrescante suco de laranja. É como o velho ditado diz: “Quem nasceu pra laranja, jamais será suco de abacaxi!”]
No dia seguinte, ao amanhecer, aquela menina encontrou a exótica laranja murcha, fétida e embolorada.