DTA - Drogados Tecnológicos Anônimos
Alguns anos atrás, quando abastado por um momento de solidão ou nos domingos tediosos e dias chuvosos, a televisão era uma excelente companheira, daquelas que nunca deixam o silêncio perpetuar no recinto, mesmo que o assunto não fosse tão animador.
A analógica era pau pra toda obra. Falava-me sobre política, moda, atualidades, economia, sexo, esporte, desenhos etc. Ela me impressionava. Eu ficava estarrecido com suas belas cores e a quantidade de conteúdo.
Chegava da escola e ia direto ver o que ela tinha para mim. Eu era fiel às suas formas e cores charmosas, além de acreditar em tudo que ela me dizia. Precisava daquelas doses diárias de informação sintetizada. Eu já nem lia mais, algo que outrora demasiadamente apreciava. Eu estava viciado.
Certo dia, meu pai chegou em casa com um computador usado que ele comprara de um primo meu. Toda minha família se juntou em volta da nova aquisição tecnológica. E eu, como estava absorvendo um turbilhão de informações televisivas, dei de ombros.
Passado algumas semanas, cheguei da escola e, como de costume, fui direto para frente da tevê, mas ao ligá-la... nem sinal de vida. Minha mãe me disse que ela havia sido danificada devido um raio ter atingido a rede elétrica do bairro.
Fiquei desesperado. As horas arrastavam-se no relógio, o tempo parecia preguiçoso, tudo estava um tédio. Sentia falta da minha companheira das horas de tédio.
Movido pelo ócio, sentei-me a frente do computador e comecei a praticar o primeiro contato com aquela máquina. Fiquei durante horas executando as funções do computador.
No dia seguinte, cheguei em casa e não avistei a tevê. Um técnico havia levado a analógica para a manutenção. A princípio fiquei apreensivo, mas depois senti alivio. Afinal, eu iria poder ter a minha companheira de volta dias depois
Para preencher as horas em que eu dedicava a assistir televisão, comecei a explorar mais as funções do computador. Passei a acessar a internet. Confesso, fiquei fascinado.
Era incrível a forma com que eu podia interagir com aquela ferramenta. Bastava com que eu fizesse a pergunta certa e ela me responderia. Quanta sabedoria! Eu estava bestificado perante a sapiência daquela coisa.
Os dias iam se passando e eu estava ficando cada vez mais viciado. Às vezes, eu lembrava da televisão, mas logo a necessidade de assisti-la era preenchida por um simples acesso ao computador e a sua inseparável internet.
Quando o técnico trouxe a tevê de volta, eu já estava totalmente escravo da internet. Aquela ferramenta havia me dominado. Passei a chama-lo de PC e a usar termos isolados como downloads, gigabytes, terabytes, além de incorporar algumas palavras à minha linguagem diária, a exemplo de “preciso deletar isso da minha vida” ou “isso é tão inútil quanto o botão Scroll Lock”. Eu estava me transformando em um nerd seboso.
Um dia, o sinal da internet estava apresentando falhas. O acesso era impossível. Após horas sem aquela ferramenta que permitia me conectar e interagir com o mundo, em uma atitude desesperada, entrei contato com a operadora de telefonia móvel para tomar esclarecimentos sobre a impossibilidade de acesso à internet.
A inoperância do serviço me deixava furioso. Cheguei até a discutir com a pobre e inocente atendente da operadora. Mas sem sucesso, nada resolvido. A moça me informou que o sinal só seria reestabelecido após 72 horas.
Eu quase enlouqueci de tédio. Andava de um lado para o outro, abria a porta de geladeira de dez em dez minutos; dobrava minhas roupas; desarrumava meu quarto só para arrumá-lo novamente; trancava e destrancava cadeados.
Nem mesmo a televisão, que um dia foi minha fiel companheira, foi suficiente para saciar a minha vontade de explorar o computador. Era uma evidente e clássica crise de abstinência.
Percebi o quanto eu estava sofrendo com a ausência daquela possibilidade de informação. Notei que, se continuasse daquela forma, logo estaria viciando outras pessoas, também. Tirando-as do convívio social.
Comecei a abrir as gavetas e a procurar os livros que eu comprava para ler quando surgisse a oportunidade. Li à exaustão. Mesmo após o sinal da internet ser reestabelecido, continuei a ler. Era uma forma de eu me policiar, de eu mostrar que era mais forte que aquela coisa que detém o conhecimento do mundo.
Passei anos frequentando bibliotecas públicas e privadas, como forma de tratamento. Conversei com vários especialistas, escritores e outros viciados. Todos nós tínhamos algo em comum. Sabíamos que manter distância da televisão era o mais inteligente a se fazer.
Os anos se passaram e, claro, ainda não estou totalmente curado. Talvez, nunca fique. Muitas drogas novas surgiram. Smartphones; Iphones; Tablets. Fica difícil se manter “limpo”, sabe? E tem propaganda para tudo isso.
Volta e meia eu tenho umas recaídas. Fico até mais tarde no PC e acabo acessando a internet mais de uma vez por dia. No entanto, absorvo doses diárias de clássicos literários, como remédio controlado que me fazem manter a sanidade mental.