Sobre medos (EC)
Já dizia Nietzsche que o medo é o Pai da moralidade e eu bem sei disso porque embora não conhecesse ainda esse Senhor, o medo de morrer e ir para o inferno era um dos poucos que eu tinha quando era menina, morando em Arantina. Por causa disso me esforçava para ser boazinha e a coisa continuou assim por grande parte de minha vida porque, mesmo me distanciando espacialmente da Tradicional Família Mineira da qual fazia parte, acabei me defrontando por longos anos com Colégios de Freiras. Além desse medo religioso sempre tive medo também de assombração, do Cavaleiro da Meia Noite que trotava pelas madrugadas garoentas de minha terra natal e da freirinha que esquecida presa no armário debaixo da escada acabara morrendo, mas não deixara de cumprir sua obrigação, que era velar os dormitórios no Internato. Mas esse é um medo que me fascina, repetindo aqui Ayrton Senna, embora esse meu medo não seja perigoso como o dele. Eu até gostava de senti-lo, livros de terror era minha especialidade na época. Drácula e o Lobisomem, sendo que esse eu conhecia, minha avó me apontou na rua um dia e embora parecesse um pai de família normal eu corria dele como o Diabo da Cruz.
Morando em Arantina, pelo menos naqueles tempos, não se justificava ter outros medos. Dormindo de vez em quando na casa de minha avó tenho lembrança de uma cadeira colocada atrás da porta de entrada. Quem quisesse entrar era só empurrar a porta,mas só queriam entrar os meus tios. Minha avó, lá do seu quarto sabia direitinha quem estava chegando e meu medo quando dormia lá era apenas topar com meu avô Chico Caetano, que não conheci, mas que ela, a avó dizia vinha todas as noites ver se tudo estava bem. O mesmo não acontecia em minha casa, uma linha imaginária em diagonal partindo da casa da minha avó. Minha mãe era e ainda é, tão medrosa, que quando meu pai viajava levava a empregada para dormir no quarto dela e ainda colocava um machado debaixo da cama. Na época eu não sabia disso, se soubesse iria era ter medo desse machado e imaginar que ele adquiriria vida e sairia sozinho dando machadadas a torto e a direito.
Hoje depois de anos de terapia descobri um medo que acho, me acompanha até hoje. Ralph Waldo Emerson disse que o medo derrota mais pessoas que qualquer outra coisa no mundo, mas minha psicóloga tentou me convencer que o meu medo real é o do sucesso. Pode ser, porque já enfrentei muitas batalhas e nenhuma delas deixei de lutar por conta do medo. Nisso o que muito me ajudou foi ter me dedicado a estudar os sonhos, porque eu vivia em constantes pesadelos > eu sempre tinha coisas para fazer, mas os obstáculos eram intransponíveis, até que descobri que mesmo sendo intransponíveis (no sonho) eu dava um jeito e saía da enrascada. Daí para a aplicação prática foi um pulo.
Platão disse que a real tragédia da vida é quando os homens têm medo da luz e esse medo eu nunca tive. A verdade para mim é uma busca constante e qualquer faceta dela que consigo apreender é para mim uma festa.
Hoje acho que é impossível viver sem medo. Nem mesmo em Arantina se pode mais dormir com a porta aberta. Os medos se diferenciam uns dos outros dependendo do lugar onde se vive, mas acredito que não existe lugar nenhum na Terra onde as pessoas não precisam ter medo. E nem falo dos medos naturais provocado pelas catástrofes conhecidas há longos tempos – o Dilúvio, por exemplo. Falo do medo provocado pelo homem em seu semelhante. O homem como indivíduo, o homem como um grupo específico da humanidade. Basta abrir os jornais e revistas, basta ligar a televisão, abrir o computador.
Há poucos anos atrás eu voltava sozinha para casa mesmo sendo noite alta. Hoje instalei portão eletrônico na garagem e mesmo assim fico atenta, olhando pra frente e pra trás, olhando para os lados, antes de acionar o botão de controle. Mesmo ir de minha casa até a Padaria e vice versa, coisa que sempre fiz caminhando com meus próprios pés, me dá medo. E não há medo pior do que esse, que é ter medo de gente. A Geografia do Medo hoje ocupa quase todos os espaços da Terra.
Este texto faz parte do Exercício Criativo (EC) desafio promovido pelo Encanto das Letras. Para ler os te xtos dos outros autores siga o link:
http://encantodasletras.50webs.com/geografiado medo.htm
.