O xale de Penélope
Penélope tece e tece e tece, e enquanto tece, alimenta sua lucidez.
A espera é longa, a distância medida não em dias ou varas, mas em saudades, em perda de si.
Seu tear tece lucidez, tece paciência, tece prudência, tece esperanças.
Sua espera chegaria ao fim se o xale acabasse, então ela tece de dia e desfaz a tecitura a noite. O xale ficará pronto quando a vela do barco despontar no horizonte.
É sua vida. Ela não vive mais pra si, não mora mais em si. Vive pra aquela espera, mora naquele xale. Só se reencontrará quando ele chegar, quando o xale acabar.
A cada noite quando o xale está quase pronto, ela sente aproximar-se o vazio, a falta de esperança e de razão, ela anda perigosamente à beira do abismo do não-ser, posto que pra ela, o ser é estar com ele.
Enquanto com mãos ágeis desfaz o trabalho do dia, sente que esse limite mantém sua sanidade, enquanto o velho mendigo chamado desatino a espreita de longe.
Com mãos amorosas recomeça o trabalho, tomada de novo ânimo, enquanto afugenta o desatino. Trabalha febrilmente e o mantém no horizonte. Já são companheiros, mas ela não o quer tão perto. Ele é só a lembrança do que pode ocorrer se uma vela não aparecer ao longe
Está pronta pra assim esperar pelo tempo que for preciso... basta recomeçar a tecer.