Du Rei (Crônica do homem dormindo)
Com um salame embrulhado debaixo do braço o homem entra no ônibus, pede licença e senta ao lado de uma mulher. Ele sorri para ela com a doçura própria dos homens bondosos e honestos. Ela retribui o sorriso e olha pela janela, o vento balança seus negros cabelos enquanto o ônibus percorre as ruas da manhã nublada.
De repente ela pergunta para onde ele está indo. Ele responde que está indo para casa e que tinha pressa em chegar. Ela pergunta o que ele leva no embrulho. Ele responde que é um salame e que seus filhos gostam muito e, às vezes, ele levava para o lanche deles. Ela docemente sorri e pega em sua mão. O homem percebe a maciez daquela mão gentil e sente um arrepio, como se um vento frio entrasse pela janela e esfriasse todo o seu corpo. A mulher pergunta se ele está se sentindo bem e ele responde com os olhos que sim.
Ele se assusta ao perceber que o ônibus está parado apesar da paisagem alternar entre as casas das ruas. Era como se estivesse sentado assistindo a um filme. Ele olha para os bancos do ônibus e não vê ninguém, nem o motorista está ali. Então ele pergunta para onde a mulher está indo. Ela responde que também está indo para casa, mas que não tinha nenhuma pressa em chegar e também não carregava mais embrulhos.
O homem abaixou os olhos e respirou suavemente. Começou a perceber que aquela viagem não era comum, não era como os dias em que ele corria para alcançar o ônibus, sempre cheio de trabalhadores como ele que, cansados, sentiam a felicidade de uma família a sua espera para o jantar. Começou a olhar pela janela e não reconhecia os lugares que passavam, até que viu um menino correndo pela rua, achou que o conhecia, mas não tinha certeza, a mulher o conhecia e mandou um beijo materno para ele, que retribuiu se tornando poeta.
Algo parecido com o tempo ia passando naquela coisa parecida com um lugar. O homem já estava ficando desconfiado de que algo estava errado com ele, quando a mulher pegou o embrulho do salame e abriu. Não havia nada. Ele quis saber onde estava o salame, onde foi parar o recheio do lanche dos seus filhos. A mulher respondeu que o salame estava em sua casa, na mesa, dentro do pão do lanche deles e que ele agora não precisava carregar nada debaixo dos braços. Seus filhos estão alimentados, disse a ele, você soube muito bem como deixá-los preparados e que ele precisava apenas dormir um pouco e acordar quando o ônibus abrisse as portas.
Assim fez o homem: dormiu....dormiu.....dormiu! O homem dormiu, mas sempre estará acordado e sorrindo para os seus filhos, seus netos, para toda a sua família.