Castelos Ruídos
Construímos nossos castelos na infância. Fazemos pactos silenciosos conosco mesmos e prometemos cumprí-los quando enfim ficarmos "grandes".
Quando a sorte joga a nosso favor conseguimos escrever nossas histórias e concretizar nossos planos, mas e quando não "chegamos lá" por obra daquilo que não dependeu de nossa vontade? E quando nossos castelos desmoronam pela força do vento ou das tempestades?
É muito difícil crescer e nos depararmos com um sujeito diferente daquele que sonhávamos ser. Nem tudo está sob nosso controle e ondas podem devorar nossas promessas, lembrando que somos pequenos como grãos de areia.
Não somos heróis, não derrotamos dragões, ainda temos medo. Somos falíveis e podemos deixar a mocinha esperando simplesmente porque não sabemos o que queremos ou de que forma fazê-lo. Ou sabemos, mas a mocinha não ficou a nossa espera.
Crescemos, mas ainda carregamos dúvidas, fraquezas, ilusões... Somos homens de paletó e gravata, mas ainda machucamos aqueles que amamos, ferimos à nós mesmos, erramos, desistimos, tentamos recomeçar. De vez em quando somos ogros, nunca príncipes.
A menina que fomos precisa entender que ás vezes terá que descer da torre sozinha e tratar de ser feliz. E que dragões vão aparecer ao longo do caminho e ela terá que enfrentá-los com disposição e espírito guerreiro, entendendo que ninguém detém o poder da felicidade alheia.
Essa fórmula é individual e a receita é exclusiva.
A jornada estará completa quando ela compreender que um pouquinho de bruxaria não faz mal; bruxas são mais felizes porque carregam menos culpa, estão menos atadas ao passado e não depositam seus desejos ou complexos em ninguém.
Quando a mocinha aprender que a vida fora da torre pode ser mais divertida e prazerosa conseguirá identificar seu príncipe por trás das máscaras. Ou nunca encontrará esse príncipe e saberá lidar bem com isso, pois fará sua criança entender que "encontrar alguém" nunca foi o mais importante.
Ao longo da vida muitos castelos irão ruir. E conviver com os destroços nunca será simples. Nos apegamos às ruínas como parte de nossas identidades. Sentimos pena da criança que chora sozinha nos escombros. Por trás de sua orfandade existe frustração por não ter tido suas promessas cumpridas. Para seguir em frente precisa reconciliar-se com o adulto e aceitá-lo.
Reconciliar-se com o adulto que trabalha de 2a. à 6a. numa repartição pública quando o trato era ser músico, surfista ou veterinário; aceitar o adulto que lhe deu somente 1 filho ao invés dos 2 que haviam combinado; perdoar o adulto que se embebeda num sábado à noite prá disfarçar a solidão quando jurou que ia ser livre e dono de seu próprio nariz; perdoar o adulto que se divorcia pela 3a. vez quando o trato era ser feliz para sempre ao lado da mesma mulher; aceitar o adulto que combinou fazer bodas de ouro com o amor de sua vida mas não chegou nem às de prata; aceitar o adulto que sofre com a perda do filho quando o certo era não haver luto pelo caminho; reconciliar-se com o adulto que envelhece dia após dia diante do espelho apesar da promessa de que seria jovem para sempre, sem rugas, cabelos brancos ou dores pelo corpo.
Você se cobra demais, se exige demais, se envergonha demais. Suas expectativas estão nas mãos de uma criança por vezes tirana que vive dentro de você. Está na hora de renegociar os contratos, rever as promessas, afrouxar as exigências. O futuro ainda reserva boas surpresas mas perceber que o merecemos sem divídas é o melhor jeito de curtir a viagem, deixando a vida nos levar, nos aceitando com todas as dificuldades, impossibilidades e limitações, nos enxergando mais humanos e menos heróis.
Quem sabe assumindo que somos bruxas e não mocinhas; ogros e não príncipes.