A Casa Literária
ENQUANTO LIA tranquilo, percebi em que belo reino em me achava. Minha mão esquerda jogava meus sentimentos mais incógnitos no papel e minha mão direita, ora apoiada ao papel ora fazendo côncavos cachinhos no cabelo. Encontro-me em uma mesa branca e à minha frente uma cuba com frutos tão mentirosos quanto corações de pedra que dizem amar o próximo. E ao lado dessa cuba, havia uma vasilha com pães velhos e murchos como as mãos daquele pedreiro falecido.
Não me chame de Autor Melancólico, chame-me apenas de um expositor de sentimentos não recíprocos.
Gostaria que na minha frente houvesse uma pessoa para que eu pudesse prosear, no entanto há apenas uma cadeira gelada e vazia, implorando por uma bunda.
Minha casa estava vazia, e meus ouvidos apuraram-se, fazendo-me ouvir até os gemidos dos gatos que cruzavam amorosamente nos meus telhados. A cada vento na minha janela de vidro: uma agonia, uma apreensão. Esses eram retratos da minha solidão. Na cozinha havia um balcão de mármore e ao lado esquerdo da sua vista, caro leitor, havia uma pia toda respingada, pois a minha torneira chorava mais que uma amante traída no baile de formatura. No seu canto direito, havia um fogão com quatro belas bocas parecidas com aquelas beldades femininas expostas ao erotismo explícito. Apenas uma dessas bocas beijava a panela. Era um beijo quente, sensual e libídico; fazendo sair fogo azul tão parecido ao véu da deus grega mais linda que transita pelo céu da Grécia.
Quando escutei meu cão latindo desesperadamente e inquieto, vi que este papel já estava repleto de babozeiras insignificantes. Peguei a folha; olhei novamente para os itens da minha solitária e entristecida cozinha, ausente de toques da mãe cozinheira; rasguei as escritas e colhi os rascunhos que jogava pelo chão de porcelanato. Mamãe olha no meu rosto; exclusivamente nos meus olhos solitários e necessitados de carinho, e diz:
- Benção, meu filho.