A primeira história que escrevi e que causou certo furor, não pela qualidade, mas principalmente pelo tamanho, eu tinha dez ou onze anos. Havia acabado de chegar ao colégio interno, no mês de outubro e viera para conseguir o diploma de quarto ano primário. Onde eu nasci, morava e estudava as escolas eram duas, cada uma com uma classe multisseriada, do primeiro ao terceiro ano. Para entrar no ginásio eu precisava ter o diploma do quarto ano então fui para o colégio interno para consegui-lo. O segundo semestre já estava no fim e eu até fico imaginando aquela meninona com jeito de caipira entrando para a turma já no final do ano. A professora da sala, logo nos primeiros dias de aula (primeiros para mim) nos pediu que contássemos uma viagem. Peguei meu caderno em branco e fui para Paris dar uma voltinha pela Torre Eiffel. Fiquei até a professora pegar o caderno, o sinal já havia sido dado e eu, na verdade, não tinha ido a todos os lugares que queria. Quando ela devolveu, o caderno veio com uma observação, me dando os parabéns e prognosticando que eu seria uma escritora. Não estava errada, eu sou uma escritora, mas nem eu nem ela poderíamos imaginar o tipo de escritora que eu seria: virtual. Nem nas cabeças mais ousadas daquela época isso seria imaginável.

No Colégio eu pude desenvolver uma das atividades que vem me acompanhando pela vida toda – a de leitora. A Biblioteca do Colégio, hoje eu sei, não era a maior das maravilhas, mas para mim, que vinha de um lugar em que o que se conhecia como Biblioteca era uma estante encostada em uma parede da única sala do único clube social da cidade, era o Paraíso. Foi ali que conheci um de meus heróis escritores- Jules Verne, ou simplesmente Julio Verne.

Cinco Semanas em um Balão foi o primeiro livro dele que li. No livro ele narrava uma viagem a África com tantos detalhes que era difícil imaginar que ele nunca tinha subido em um balão nem ido a África. Fui lendo tudo o que encontrava pela frente, Viagem ao centro da Terra, Vinte mil léguas submarinas, A volta ao Mundo em 80 dias e outros dos quais nem tenho lembrança. Mas nunca esqueci meus preferidos: Os filhos do Capitão Grant e Miguel Strogoff, por quem me apaixonei perdidamente.

Mas por que me lembrei disso tudo, da história que escrevi e do homem com a imaginação tão poderosa que antecipou conquistas que só viriam a acontecer muito mais tarde?
É que só hoje fiquei sabendo que Ray Bradbury morreu.
Se alguém me perguntasse quais os escritores que eu gostaria de escrever como, eu não teria dúvidas: Julio Verne e Ray Bradbury.

Ray Douglas Bradbury, escritor norte americano morreu no dia cinco de junho, com 91 anos, após doença prolongada.
Não me interessa aqui escrever sobre o óbvio e sobre tudo o que ele representa para a Cultura Universal. Os cadernos de cultura dos jornais falarão sobre isso, as revistas semanais darão notícias mais factuais, as revistas de cinema não se esquecerão de lembrar a sua importância para a Sétima Arte. Eu quero escrever apenas sobre os meus sentimentos, sobre a forma que sua literatura me tocou. Toca ainda.

Tenho oito livros dele. Fui buscá-los em minhas estantes e estão aqui na minha frente. Depois que terminar este texto, vou folheá-los, reler algumas coisas. Prestar a minha homenagem.

Limpidez. Esta é a palavra chave que explica o que eu sinto quando leio Ray Bradbury. Poesia sem versos, sem regras, prosa, magia, lirismo. Fantasia. Extremamente criativo, sua imaginação transcendia os vôos do aqui e do agora. Ler Bradbury é como ter asas de cristal para percorrer o Universo. Asas de Cristal refletindo a luz do sol e os raios da lua.

Seus livros mais famosos são Fahrenheit 451 (que não tenho) e As Crônicas Marcianas.


Os títulos que tenho são um convite a leitura – vejam se é possível resistir a livros assim chamados: Os Frutos Dourados do Sol, O País de Outubro ou O Vinho da Alegria?

Em Fahrenheit livro que se tornou filme e ambos se tornaram ícones culturais, os bombeiros são os mantenedores da ordem social e queimam livros e outras publicações que transmitam informações. Nas casas, as paredes são telas imensas exibindo o cotidiano de outras famílias com as quais é possível interagir.
Alguém conhece coisas semelhantes?


Tal qual Julio Verne, Bradbury foi um visionário. Antecipou conquistas das Ciências das quais certamente ninguém duvida. Ou duvida?

O que sinto com essa morte é uma tristeza terna, uma saudade morna. Há uma foto dele, a mão levantada como se estivesse dizendo adeus. E é o que digo agora: Adeus, Mestre. Nos encontraremos qualquer dia por aí, no Reino da Fantasia. Antes que ela se transforme em realidade.