[GALHO DE ARRUDA, 27.10.2006]


Bala perdida


Lá fora é aqui, ali, em toda parte. Calça-arriada. Mas é também por onde se chega aos ídolos da caverna gástrica, onde mora um olho-de-sótão farto de aparência, alguém que vigia pela falsa rosácea a cara dos outros na rua, em estado de guerra. Queria tanto que a senhora pegasse no meu pau. Bola de gude mais glande, bola de gude mais glande. Tudo bem. Lá fora é dentro do grande livro. Me empresta esse olho maluco que eu vou mostrar. Levei um tiro, enfermeira. Ela me achou, eu é que estava perdido, tão avulso pelos becos da alma, com o parafuso errado no lugar do parafuso de menos. É isso. Estava dentro do livro trilíngüe, estava comendo a boneca de pau. Amadeus Hoffmann. Claro, a boneca de pau; minha empregada é sindicalizada. E minha janela dá para o bauhaus. Deve ter sido o meu aluno poeta que não gosta de filosofia, e mandou bala no prédio fingindo alvejar polícia e milícia. Ele sabe muito bem que eu moro ali fora dentro do livro. Fico logo excitado, olha só. Morro do Lençol, aqui a boca cospe vida, em termos. Que sorriso mais lindo, minha filhinha, agora a coisa vai. A namorada dele, outra. Me contaram que ela pegou raiva silvestre batendo punheta num sagüi. Conhece ela, enfermeira. Você também não mora no bauhaus? Se me der um pouquinho, eu digo que não foi bala perdida. Cuidado com a encaixada. Meu aluno não vai correr atrás de nós dois, minha olimpia de carne. Queria encher esta caverna gástrica com um ídolo de prata, vampiricida. Me dá logo esse rabo, gostosa. Quem sabe lidar com a loucura da cidade? Não meus alunos, não seus professores, a filosofia é muito boa para dar um brilho com água suja e pano de chão. Não tinha água suja e pano de chão na minha caverna gástrica? Não tinha uma raposa-morcego com raiva do sagüi punheteiro? Tudo bem. Quando tiver alta, meto uma bala no meu aluno e como a namorada dele. Depois me mato, de costas para a luz. Me dá só um pouquinho, enfermeira.