Perdidos...

Contam que foi assim: o avião estava lotado com apenas dois grandes grupos. O dos jogadores de futebol ocupava a parte traseira da aeronave. A parte dianteira estava ocupada por enfermeiras que se dirigiam a um congresso. Sabe-se que o avião partiu-se ao meio, mas não se sabe exatamente o porquê. Alguns até dizem que tudo fazia parte de um experimento governamental. Outros afirmam que foi mesmo fatalidade.

Caíram numa ilha deserta, pródiga em recursos alimentares, com animais, frutas e água em abundância.

O que aconteceu de estranho é que a parte traseira caiu bem longe da parte dianteira, e foi impossível que os dois grupos se encontrassem por mais de 20 anos, devido à formação geográfica da ilha.

Aparentemente havia uma aeromoça na parte traseira do avião, atendendo os jogadores de futebol no momento do acidente. O fato é que os grupos ficaram estranhamente constituídos: um com muitos homens e apenas uma mulher. O outro com muitas mulheres e apenas um homem. Como se sabe, existem poucos homens interessados em estudar enfermagem.

No grupo dos homens, o que se soube é que as coisas devem ter se passado bem até certo ponto, uma vez que a sobrevivência individual não era um problema. Comida e água em abundância, temperatura sempre agradável, quase nenhum predador de importância. Problemas apareceram com relação à satisfação sexual. A única mulher, aeromoça, não era mal aquinhoada de dotes físicos. Depois de pouco tempo, os jogadores disputavam sua atenção, protegendo-a, oferecendo-lhe alimentos exóticos. Até que começaram as brigas. O que acabou se estabelecendo, com o tempo, foi uma verdadeira hierarquia natural. O jogador mais forte e mais inteligente acabou conquistando a moça. Ela engravidou dele em seguida. Todos a protegiam de alguma forma, mas sabiam que ela pertencia a ele. Os outros formaram um grupo hierárquico bem definido, por ordem de força de domínio. Uns mandavam, outros obedeciam. Isso valia para favores sexuais. O segundo da hierarquia, depois do bonitão, bem que tentava seduzir a aeromoça, mas não conseguia. Ela teve, na verdade, alguns filhos e filhas, mas todos parecidos com o primeiro parceiro.

No grupo das mulheres as coisas se passaram de modo diverso. Apesar de haver entre elas algumas mal-amadas e de mau-caráter, apesar das brigas que tinham entre elas por razões profissionais – muitas pertenciam ao mesmo departamento em uma universidade – apesar de também terem estabelecido uma hierarquia de poder, apesar de terem mais dificuldades com as questões práticas de sobrevivência, na questão sexual o que se passou foi surpreendente. O único homem, que por sorte era fértil, em idade hábil e interessado em mulheres, apaixonou-se por várias delas. A mais alta da hierarquia ao invés de reservá-lo para si, teve o bom senso de estabelecer um calendário de favores sexuais para o rapaz. De modo que em pouco tempo quase todas (gostasse ele ou não) estavam fecundadas. Como partos não constituíam um problema para o grupo, muito menos o cuidado de recém-nascidos, o que se viu naquele ponto da ilha foi uma explosão demográfica. Os meio-irmãos não tiveram grandes problemas de combinações genéticas para procriarem entre si e não havia censura religiosa.

Muito tempo depois foram encontrados os sobreviventes da ilha. Um próspero grupo de um lado e muitos cadáveres do outro.

Quem me contou foi um filósofo francês chamado Robert, que pode ter sido posto de propósito na ilha como arguto observador...