O adeus a uma amiga
Quando nos conhecemos a simpatia foi recíproca. Ela necessitava de um lar. Eu necessitava de movimento pela casa. O aluguel era módico, mas compensava pela agradável parceria. Destinei-lhe uma parte de honra em meus dias. Permitia até que permanecesse em meu quarto, único local da casa onde havia televisão de tela plana.
Depois do impacto gracioso de ter com quem compartilhar as andanças do dia a dia, passei a senti-la espaçosa. Delicadamente não lhe permiti mais acesso ao meu quarto. Permanecíamos na sala por uma hora ou mais ouvindo música, lendo bons livros ou simplesmente observando a paisagem enquanto os pensamentos corriam soltos.
Nisto se passaram meses em suave harmonia até que chegaram novos moradores. Alérgica aos pelos dos gatos, minha amiga passava mais tempo na área de serviço, enquanto eu me distanciava mais e mais. Passei a vê-la como a um espantalho cheio de roupas, bolsa, calçado e sombrinha, além das echarpes (sua marca registrada). Um espectro do que ela era. A culpa me corroía sempre que a flagrava me espiando de esguelha.
O golpe de misericórdia veio quando o cardiologista sugeriu que eu permanecesse um tempo quieta, sem muita movimentação, enquanto experimentava novo medicamento. Eu, sem minhas andanças, fico aborrecida e tenho tendência à desforra. Não medi esforços para me livrar da hóspede incômoda.
Foi assim que eu disse adeus à velha bicicleta ergométrica com que ontem presenteei uma amiga (ou inimiga)...