AS DESCOBERTAS NOS ANOS SETENTA

Eu estudava no Colégio Estadual do Paraná, o maior e um dos maiores ainda hoje, e lá tinha um auditório onde se apresentavam cantores em inicio de carreira, mas já cultuados pelos malucos do pedaço.
 
E lembro quando veio uma jovem baianinha cantar ali. Não lembro se já tinha ouvido falar dela, mas sei que fui ao show. Era a nossa Gal, ainda uma jovenzinha, sensual, brejeira, trajando roupas puxando para o estilo hippie, alternativo, então era da nossa praia.
 
Lembro que fiquei silencioso em face de tão jovem e bela já excursionar pelo Brasil, lá naqueles anos, e já com um projeto de vida enquanto a maioria de nós, já perto de sair da adolescência, ainda nada aparecendo no horizonte.
 
Lembro que fiquei embasbacado e, claro, apaixonado com a garota, pelo menos enquanto durou o show.
 
Fez parte da minha adolescência, assim como a vinda de um cantor ainda desconhecido que desta vez iria cantar no nosso pequeno Teatro Paiol, que deve ter, sei lá, uns 500 lugares.
 
Eramos bem informados sobre as novidades e lá fomos nós até o Teatro para assistir o cantor, caminhando no entre trilhos da Estrada de Ferro, sem nenhuma pressa, pois a aula já estava dispensada.  
 
Eu acho que foi uma das poucas vezes que andamos na linha naquela época de opções alternativas. O cantor, bem malucão, com ares de arlequim de circo mambembe, cheio de caras, chamava-se Alceu Valença, já um figuraço.
 
O teatro apesar de já pequeno não chegou à metade da capacidade, mas "valença a pena". De tão poucos na platéia ficamos bem próximos, como se fossemos parte do show, mas, se nós gostávamos dele, estava na cara que ele ia acabar explodindo.
 
Os “discos” primeiros dele, aliás, deveriam ser relançados, pois eram ótimos e nada conhecidos; ainda hoje seriam de vanguarda.
 
Vivenciamos estes inícios de carreira de dois futuros expoentes da música brasileira, ali bem pertinho de nós, amadurecendo com a gente, desconhecidos ainda como a gente. A nossa vida era boa, e como diz o Chico no seu último CD “a vida é bela” e é, cada vez mais.

Aquele cara de olhos arregalados cantava ali do nosso lado, de tão perto que era o palco, dava até para bater papo. Viajava quilômetros para cantar para aquele pequeno público que já o conheciam. É a vida é bela, mas é batalhada.
 
Hoje já meio aposentado e morando lá em Olinda.
 
Inconscientemente estávamos participando da história.

Hoje escuto o novo CD da Gal e em música de Caetano Veloso ela diz:
 
“Meu corpo todo se desmede/despede-se de si, frente ao infinito/costas contra o planeta/já sou a seta sem direção/instintos e sentidos extintos/mal sei-me indo”.
 
“A vida é bela” e passou rápida, não de forma simples, mas gostosa, e vejo hoje que aquela baianinha, que todos lá bem que gostariam de ter dado uma namoradinha, cantar estes versos já voltados para um novo estágio reto da vida ou como diz “já de costas ao planeta”, o que vejo, como figuradamente, de costas para a vida na matéria.
 
“A vida é bela” canta o Chico e diz:
 
Hoje topei com alguns conhecidos meus/Me dão bom dia, cheios de carinho/Dizem para eu ter muita luz, ficar com Deus/Eles têm pena de eu viver sozinho.
 
E na continuação: “Hoje pensei em ter religião...” , é quando a agua começa a bater na porta..., mas não temos que ter religião, temos que ter é conhecimento da verdade que tudo abrange e que muitos poucos procuram em melhor época da vida.
 
Coisas da idade madura chegando, que em outra música diz:
 
Meu tempo é curto/o tempo dela sobra/Meu cabelo é cinza/o dela cor de abóbora/Meu dia voa e ela não acorda/Vou até a esquina e ela quer ir para a Flórida/ Feito avarento conto os meus minutos/cada segundo que se esvai.

E careta, ficou como os nossos pais.
 
Mas dois CDs de ícones da bela época; a Gal mais próxima de mim, do meu gosto musical, mas ambos cantando as suas vidas de quase terceira idade (não achei termo melhor) e escancaram os seus momentos com tanta naturalidade, como deve ser quando a pessoa preencheu a sua vida em todos os instantes....
 
E chegar nesta idade podendo falar com naturalidade, sem vergonha de estar só, nem precisando arranjar nenhuma gatinha para preencher um espaço que já deveria estar preenchido....é ter amadurecido bem.

Comprei também o CD da Elis Regina, com algumas inéditas e ela está formosa na capa, olhar ao longe...
 
Com ela a relação já era de admiração. Não tive oportunidade de chegar perto, embora devesse ter tentado, no único show que assisti naquele período de vacas magras, no Guairão. Muito caro para o meu pequeno bolso e fui lá para o primeiro balcão, "no segundo já seria humilhante".
Coisa da minha cabeça da epoca.
  
Maluco ou careta era uma questão de cabeça nos anos setenta.
 
Sem dúvida a maior cantora que o Brasil já teve, se houver alguma dúvida é só escutar ela cantando “Se eu quiser falar com Deus”, ou a do Belchior “Como nossos pais”.
 
Não gostava quando ela cantava samba, eu acho que não era a praia dela, este lado careta é que deve a ter levado à droga, mas no bolero “Dois prá lá, dois prá cá” ela arrasa.
 
A sua morte me doeu, estava na praia, na casa de um amigo, se não me engano “era carnaval/vejo tremeluzir/seu vestido através/da fogueira/ (Chico). Quando soube da morte, me abati, e foi surpresa, pois até onde sabia ela era caretona, nunca imaginaria que ela usasse droga, e esta droga em mãos erradas, embora em qualquer mão seja errada, é o fim da picada.
 
Ela cantando a música de Belchior no CD valeu a compra. É uma das músicas que espelhou aquele período, ou final de período, já em desencanto como quer dizer o “como nossos pais”.
 
Onde será que anda, mas que esteja bem. Por algum motivo não querendo mais aparecer para nenhum de nós.
 
Quando falamos dos anos setenta sempre nos esquecemos de citar Belchior que, com certeza, soube interpretar aqueles anos, ou o fim deles, com extrema maestria.
 
Genial.
 
Cocaína explodiu no período dos Yuppie, anos oitenta, os tais jovens executivos, que só sabiam de aparentar andar na moda e egoístas ao extremo na sua concorrência por se dar bem, não importando os meios, e por cima de quem,  então era a droga indicada.

Toda droga, assim como o álcool, quando usado para suprir alguma deficiência emocional ou profissional, não está sendo usada como fim, mas como meio, e neste caso o perigo da dependência é imensamente maior, mas de qualquer forma é bom qualquer um ficar bem longe, pois pode ser uma entrada sem volta.
 
Terminamos esta missiva (gostaram do termo?) com a última estrofe da última música do CD do Chico:
 
“E assim vai se encerrar o conto de um cantor/com voz do pelourinho e ares de senhor/Cantor atormentado, herdeiro sarará/do nome e do sobrenome/de um feroz senhor de engenho/e das mandingas de um escravo/ que no engenho enfeitiçou sinhá”.
 
"Não é o lugar em que nos encontramos nem as exterioridades que tornam as pessoas felizes; a felicidade provém do íntimo, daquilo que o ser humano sente dentro de si mesmo' Roselis von Sass – www.graal.org.br