Eu amo a mulher morena
“De fato, isto não será um diário.
Toda história de amor é um diário escrita com as penas das asas dos anjos nas folhas que tecem o bordado da vida. Uau.
Isto também não é poesia. Só estou pensando alto. Pensamento que vem e passa, como uma nuvem de poeira. Então a gente fecha os olhos pra não ficar cego, mas é pego por uma maldita nuvem de memória.
Naquele mês de Julho bebi pouco, fiz caminhadas e ouvi o canto dos pássaros. Tratei de tomar dois banhos ao dia porque tinha dois empregos. Era bem remunerado. Não me apaixonei por nenhuma garota de colegial, nem por nenhuma prostituta de motel de bairro pobre, mas se é para contar, então que saibam os senhores que dormi com elas. Com todas elas. Prostitutas. Colegiais. Caixas de supermercados. Atendentes de consultório de odontologia, todas que me apareceram e me ofertaram um riso fácil e uma vagina em estado razoável. Só tive que sair fazendo testes, para por fim, decidir a quem iria o título da crônica.
Musas... Todas elas, por mais acabadas e sonolentas que fossem, eram musas.
Houve uma noite na qual eu bebi demais. Sonhei demais e a coisa não funcionou direito. Não me lembro o nome da mulher que estava ao meu lado, mas me lembrava o nome da que eu gostaria que estivesse.
Tinha fodido com uma ruiva de tetas épicas, mas queria a morena que há muito tempo eu não via. Ela tem um sorriso farto. Lindo. De cabelo à beira do ombro. A mulher morena gosta de ler coisas bonitas. Porque o romantismo não está em alta, o amor morreu, sabe? Então prometi um mês inteiro sem palavrão só porque a mulher morena não gosta. Ela fala. Dá risada. É sexy. É linda. Merece crônica. Ou chame o texto como quiser.
A mulher morena tem um sorriso bonito, um sorriso mais bonito que qualquer vagina sorridente e arreganhada à luz da noite que eu encontrava por aí. Também não sou um homem vivido. A vida tratou de me apunhalar o coração e me fez declarar amor pela mulher morena. Os olhos verdes como as águas de uma nascente puritana, o riso fácil, doce. Ela é meio que um enigma, a mulher morena, quando te olha e fica quieta. Ela é uma coletânea de contos do século III escritos em aramaico.
Arco-Íris são tão lindos quanto o olhar da mulher morena. Que eu vejo quando fecho os olhos. A mulher morena gosta de ler coisas bonitas. Mas eu não sei nada sobre escrever nada bonito. Escrevo só o que me salta aos olhos e ao coração.
Um flamingo me salta aos olhos. Uma trilha deserta me salta aos olhos. Uma mulher nua é linda e me salta aos olhos. Loiras e ruivas me fazem saltar os olhos. Mas quando chega perto de eu me encontrar com a mulher morena, ah, e eu que não sei escrever sobre o amor porque o amor não me salta aos olhos, mas quando a mulher morena ameaça em ir embora eu digo a ela: “fica mais um pouco, porra! Tá cedo, meu!” E ela me olha e me sorri. E fica mais um pouco a conversar comigo. Então a mulher morena merece crônica. Porque escrevo o que me salta aos olhos. E a mulher morena me salta, sem pensar e alucinadamente, ao coração! Porque não estamos mais em Julho. E viver desesperadamente amando. Este é o meu refúgio. E o do coração que tanto salta por causa da mulher morena.” ”
Heitor Henrique, São Paulo, 04 de Outubro de 2011