Brasileiras
E então fez-se segunda, terça, quarta...
Era na quarta-feira a consulta. Não que me agradasse, acredito que ninguém gosta de ir ao médico. São seres estranhos esses. Poucos não carregam nos ombros ares de divindade. Nos olhos uma certa arrogância e nas mãos inquietude. Quanto mais rápida a consulta, melhor.
Em todo o caso, a menos que houvesse um erro, meu nome estava lá na lista de pacientes de um médico que nunca vi na vida e sequer sabia o motivo do chamado. Mas era o setor de oncologia e isso me assustou.
Há alguns meses retirara nódulos dos seios em uma cirurgia nada agradável, nunca são. Mas foi necessária, a biópsia por punção acusou uma malignidade falsa positiva que me amendrontara por semanas antes da cirurgia. Nesse processo conheci um outro lado da vida e da morte, não tanto pelas minha saúde que ao fim revelou-se estar intacta após a retirada dos nódulos e em uma segunda biópsia a constatação de serem benignos. Mas o aprendizado veio pelas pacientes que comigo dividiram cada abrir de envelope, cada lágrima, cada diagnóstico comemorado ou chorado.
E lá estava eu, novamente, depois de meses aguardando ser atendida e apreensiva. A cirurgia me deixara duas pequenas cicatrizes, uma em cada seio. Lembrei-me de uma paciente, uma senhora que sempre encontrava durante minhas consultas, diabética, com nódulos malignos nos dois seios. E de uma força, de uma expressão tão tranquila que ao seu lado me sentia pequena.
Quando retirei os drenos e os pontos nos encontramos, ela a retirar os curativos que encobriam a falta dos seios. Finalmente driblara a diabétes e feito a mastectomia. Diferente de tantas, ela ansiava por isso para lhe garantir a vida.
Foi a última vez que a vi, torço para que esteja bem.
Mas voltando a minha recente consulta, um erro do hospital.
Eu não sei bem, mas assistindo ontem a um episodio de Brasileiras, fiquei a me recordar dessa senhora, acho que por ter estado no hospital um dia antes. E a recordar de tantas outras mulheres que conheci ao longo de minha vida, assim como tenho certeza que todos tenham conhecido. Mas que no entanto não são retratadas, não são lembradas, talvez por serem além de "brasileiras", mulheres de verdade.