Árvores estranguladas
Alguns, que interagem comigo notaram minha ausência no dia de ontem. Acontece que passei o dia no interior de Fontoura Xavier, minha cidade natal, e, como não poderia retribuir às visitas gentis de meus amigos, optei por não postar texto algum.
Foi bom poder fazer churrasco em churrasqueira improvisada, colher pinhão, e comer frutos direto da planta de novo.
Enquanto meu irmão assava a carne, algo chamou-me atenção: Uma corda de náilon que fora amarrada no tronco de um pinheiro e na outra extremidade num pé de erva mate, para servir de varal, estava “cortando” o caule das plantas.
Era profunda a reentrância na casca do pinheiro, e a erva, já crescera sobre a corda, “engolindo-a” e exibindo uma disforme “cicatriz” feita pela ferida da mesma.
Munido de uma faca, cortei, e livrei ao pinheiro de sua “prisão”. Esse incidente da natureza me fez refletir sobre a necessidade de sermos flexíveis às vezes. Nossas almas são macias, maleáveis como planta em crescimento, e se forem “amarradas” por cordas demasiado justas, o crescimento sofrerá percalços.
Quão maleáveis somos quando queremos conquistar alguém que amamos! Quantas concessões! Depois que o “varal” se estende e começamos a secar as roupas na mesma corda, às vezes a tensão do egoísmo começa a sufocar as “plantas”.
Muito acontece de um acusar ao outro dizendo: -Você quer tudo do seu jeito, quando está precisamente fazendo o mesmo. Essa rigidez ensimesmada atrofia o livre curso do amor, o qual, contrário à paixão que tem prazo de validade, sempre pode crescer, amadurecer.
Portanto, sempre é oportuno considerar a mudança que é possível; essa, é menos buscada que a impossível. Tendemos a querer fazer o outro mudar, o que não podemos; e esquecemos de considerar nossa própria mudança, que, talvez, deveríamos.
Não que eu defenda a “metamorfose ambulante” do Raul Seixas; um ser que muda a cada dia; alguma constância temos que ter. Gosto de pessoas com “maçanetas”, digo, que tenham por onde “pegar”. Que tenham posições claras sobre temas relevantes, até para que saibamos com quem estamos falando.
Os políticos são bons exemplos de portas sem maçaneta; no primeiro turno, determinado candidato é uma fraude, no segundo, depois de conchavos, vira homem de confiança. Não temos por onde pegar.
Entretanto, nada impede às pessoas de mudarem, uma vez convencidas de algo, afinal, somos plantas em desenvolvimento.
O fanatismo, a intolerância, o egoísmo, são como aquela corda esticada que “enforca” o caule da sensatez, da compreensão, do amor.
Às vezes questiono, quando tentam fundir discordância com intolerância como se fosse a mesma coisa; acho desonesto fazer isso, pois, trata-se de coisas bem diversas. O fato de eu discordar de determinada forma de agir, não significa que não tolero conviver com a pessoa que tal faz.
O homossexualismo, por exemplo; minhas convicções espirituais, derivadas da Bíblia, me levam a achar isso um erro moral; nem por isso, sou inimigo de homossexuais, tampouco fecho a porta da igreja a eles, ou defendo qualquer privação muito menos violência, em face disso. Agora, quando os assisto espiritualmente, faço com parâmetros bíblicos, como faço com os demais que não agem assim.
Espera aí, dirá alguém; esse apego ferrenho às Escrituras não é aquela corda esticada que atrapalha o desenvolvimento natural da “planta”? É, isso pode soar a uma figura interessante.
Ora, se fosse um comportamento natural, reproduziria “conforme sua espécie” como faz toda a natureza; entretanto, todo homossexual, salvo artifícios de laboratório, é filho de uma relação heterossexual, de forma, que, “degenerou” da planta matriz.
Ser flexível a ponto de deixar crescer sem oprimir é uma coisa; agora, desconhecer a diferença entre pinheiro e erva mate, nos faria ter um chimarrão de espinhos.
Estou sempre pronto a mudar, mas, jamais o faço para agradar alguém, senão minha consciência. Longe de ser dono da verdade, tenho posições claras, firmes, embasadas; mas, podem ser alteradas desde que, eu seja convencido por um argumento cristalino.
Afinal, minha alma rudimentar, matava pássaros que davam seus primeiros voos, sem sentir culpa; hoje, pode se sensibilizar com a “saúde” de um pinheiro; aquele, num exemplo de altruísmo, me deu seus frutos, livremente, sem exigir que fizesse o que fiz. Acho que o “bicho” é cristão, pois, o ensino é: “orai pelos que vos perseguem e bendizei aos que vos maldizem.”
Então, quando as tensões relacionais estiverem comprimindo demais nossos “caules”, quem sabe, afrouxamos um pouco os nós da corda, que ironicamente apertam mais, quando o eu e o tu, esquecem a condição de nós...
“Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões é que se ama verdadeiramente. Porque eu, só por ter tido carinho, pensei que amar é fácil.”
Clarice Lispector