Tá Limpo, Amizade!
Para chegar no Sujo tem que passar pelo Encardido, seu irmão. E para conhecê-lo é preciso antes vencer, com carinhos, o Protozoário e o Micróbio, seus cães de guarda. Quem também mora lá é a gata de nome Bactéria.
Em meio a esta aparente ameaça para a saúde e sob uma noite limpa, encontramos o Sujo dormindo feito um bacilo. Chamamos e uma luzinha acendeu, depois uma voz resmungou e, enfim, a porta fez barulho na tramela e foi se abrindo devagarzinho, não toda. Lá estava ele, desconfiado na porta entreaberta, querendo saber quem estava ali a querer, se não bastasse o apelido, ainda mais contaminá-lo. Motivo desta desconfiança, ele tem bons, mora sozinho, depois da Serra da Glória, um lugar não muito católico, ou, para esta crônica, melhor dizer não muito limpeza. Andam acontecendo umas coisas barras pesadas por lá. O sujo nos contou algumas. Falou de crimes bárbaros...
Logo que reconheceu a voz e a fisionomia das meninas, Rosana e Adriana, ele se deixou ver por todo e escancarou a porta. Daí em diante, foram só gentilezas, limpeza total. Mandou entrar, buscou copo para beber com a gente, acendeu o fogão de lenha para fritar um tira gosto e foi contando um pouco de sua vida, de como era bom morar ali, cultivar umas bananeiras, criar umas galinhas etc. Realmente, o lugar é muito bonito, uma quebrada de curva com sua casinha lá embaixo. Nessa percepção, tinha um céu todo estrelado, uma lua cheia e uma moita de bambu que, para compensar a lua cheia, faz um som meio filme de terror quando venta.
Sujo, apesar dos últimos acontecimentos violentos, estava em paz. E, de dentro desta paz, brincou afirmando que de sujo ali só havia o seu apelido, porque no mais era tudo limpinho. Nem precisava dizer isto, mas, com um apelido desses, achou melhor deixar tudo em pratos limpos, isto é, pratos, panelas, talheres, roupas, fala, olhar etc.
E foi assim que terminamos outra sexta-feira: num lugar longe dos bares; numa casa longe das outras; num céu longe do céu de lâmpadas da cidade. E foi assim que tomamos uma garrafa de vinho.
E se lá era tudo limpinho, não foi preciso olhar fundo para saber o seu nome. Sujo, na verdade é Osmair, Osmar de pai, e Ir de, segundo ele, rodar por este país de meu Deus.