COMO RÊS À MORTE
Há questões que me fazem perplexa, que me põem a pensar na relatividade das coisas, nos motivos que levam a tal fato, nos fatos, e em como eles se processam, em como são justificados, julgados ou pré-julgados, mas jamais analisados com a profundidade necessária a qualquer tentativa de interpretação.
Escolho citar alguns fatos, distintos entre si e fontes de minha divagação neste momento, a exemplo do casamento, da fidelidade e da fé.
O casamento, a princípio posto como a efetivação de algo sólido, resultado de um relacionamento sério entre duas pessoas que supostamente se amam, como opção de envolvimento completo, de sentimentos recíprocos, nada mais é do que o assassino do amor, na medida em que basta a junção de duas vidas, com personalidades, visões, gostos, educação, hábitos e comportamentos diferentes, para se perceber que a maratona será bem mais difícil do que a prevista.
Logo de imediato já começam a primeiras divergências, que consequentemente tendem a agravar-se e certamente fará o casamento adoecer. Na sequência é possível observar que a boa e velha rotina vai se incorporando ao dia a dia, e a relação vai se tornando morna, e já nesse ponto o cansaço começa a tomar conta de ambos.
Quando o poder de resistência é grande, consegue-se manter o relacionamento por anos, e muitas vezes pela vida toda, mas na maioria das vezes, na melhor da hipóteses, o casal torna-se amigo e tão somente isso, e então para manter-se as aparências, pelo equivocado bem-estar dos filhos e ainda pela comodidade financeira, social, religiosa, decide-se dizer que esse, sim, é o amor verdadeiro, pois é aquele que transcende ao físico, à paixão momentânea dos inícios românticos, e principalmente supera as adversidades impostas por essa gama de sofrimentos e dores e tristezas que envolve a todos.
Então para celebração dos vários anos de camuflagem, comemora-se as bodas de todos os tipos, sem sequer cogitar a possibilidade de ver claramente o que realmente impera entre os casais. E eu, aqui, friamente, ouso definir como o óbito do mais puro dos sentimentos: o AMOR.
Amor que vagarosamente foi assassinado pelo cotidiano, pela rotina, pelas agressões mútuas, pela indiferença à importância do outro, pela falta de respeito ao parceiro e sobretudo pelo esquecimento do ponto primordial da relação, ou seja, daquilo que moveu duas pessoas num mesmo objetivo e os fez decidir pelo casamento. E, infelizmente quando isso ocorre e, diga-se de passagem, quase sempre, resta apenas cuidar dos restos mortais para que não comece a exalar a podridão fétida dos rancores, das mágoas, das agressões físicas e das disputas de toda ordem.
Sequencialmente me permito refletir sobre um resto mortal específico: a infidelidade. E nessa reflexão me ponho a perguntar o que há de errado em tal ato, a não ser a dor causada ao outro? Também reflito no motivo desse fato, ser sempre tratado sob o ponto de vista religioso, e raramente humano e com uma parcialidade incrível, além de sempre tentar-se justificar as ações relacionadas, com pecados, com crimes, e nesse sentido concluo que a infidelidade é completamente relativa, pois o que é errado no Brasil, por exemplo, não o é, em diversos outros países, o que torna esse fato e suas implicâncias apenas um movimento resultante da ação cultural de cada povo. E como o ser humano não é monogâmico mesmo, embora em particular no Brasil, haja sempre a tendência a acreditar-se nesta inverdade, há sempre as fugidinhas de um ou de outro, o que faz da fidelidade a maior das hipocrisias, mas que certamente será julgada e condenada às pedras, ainda que não estejamos nos países do Oriente Médio.
A partir dessa mesma linha de raciocínio, é possível também observar alguns pontos interessantes relacionados à fé, pois tal qual as questões de infidelidade, a fé é o objeto maior utilizado para julgamentos e condenações desde o mais remoto passado, a exemplo da Inquisição, momento este em que tudo aquilo que fosse diferente, ou que destoasse das normas da Igreja, era objeto de reprovação, e de todo tipo de punição.
Da mesma maneira ainda se processa o exercício da fé em torno de variados assuntos, uma vez que a partir dela, se proíbe tudo, desde as roupas, cabelos, sentimentos, emoções e se promete o caminho do céu, tão tênue, tão vivamente imaginário, que faz com que o ser humano se desdobre em busca dele, de maneira cega, e dessa forma, o fiel se faz vítima de sua própria fé, na medida em que cede a tudo, e se expõe a qualquer exploração, até mesmo à financeira. E em nome dessa mesma fé, se torna cada dia mais miserável em espírito e torna líderes religiosos milionários e quando isso acontece observa-se que a fé se tornou então, fonte de renda, nada mais que isso, mas os fiéis continuam lá, acreditando com sua pureza que um dia será merecedor do céu e justamente pela pureza de sua fé, torna-se incapaz de opor-se a isso tudo, e vai sendo levado como rês à morte.