São Paulo 3 x 2 Santos

Assim como a vida, o futebol passa a maior parte do tempo na mesmice - uma vitória aqui outra ali, um empate, uma derrota vez ou outra, nada fora do comum, nada que fique guardado na memória por muito tempo, nada que contaremos aos netos. Mas às vezes, o futebol nos reserva algumas surpresas, boas e ruins (também a exemplo da vida). Alguns jogos nos marcam, para o bem e para o mal. Muito depois do apito final, eles ficam nos atormentando nos momentos de silêncio ou nos dando força e nos despertando sorrisos nos momentos difíceis.

Hoje eu vi um desses jogos. Aliás, hoje eu vivi um desses jogos. Ver, a gente vê na TV, no estádio a gente vive. Pode parecer igual à primeira vista, mas é completamente diferente, é outra coisa, é outro esporte, outra emoção.

Alguns podem dizer que “não valia nada”. É uma atitude comum a todas as torcidas (do meu time inclusive) - menosprezar as vitórias alheias. “Era só um joguinho de classificação no paulistinha, não muda nada”. Uma afirmação verdadeira, mas equivocada. Pois está para nascer o dia em que São Paulo e Santos vão pisar no gramado do Morumbi ou da Vila e jogar um jogo que não valerá nada. São seis libertadores e cinco mundiais entrando em campo. É o maior e mais lendário time de todos os tempos contra o clube mais jovem e mais vencedor do Brasil. É muita coisa, muita rivalidade, muita tradição. Tenha certeza de que nunca um jogo desses será disputado “não valendo nada”.

O histórico é desfavorável ao São Paulo, nos últimos anos o Tricolor tem apanhado feio do Peixe. Alguns jogos memoráveis saíram nesse período – pelas semifinais do Paulista 2010, o Santos, então jogando um futebol de encher os olhos, com Robinho, Neymar, André, Marquinhos, Wesley, Arouca e companhia, veio ao Morumbi e jogou o primeiro tempo como quis, abriu 2 x 0 e viu um jogador do São Paulo ser expulso. Voltou para o segundo tempo e quase fez o terceiro. O São Paulo parecia entregue, mas buscou o empate improvável e heroico, com Hernanes e Dagoberto. Quando o resultado parecia decretado, Durval subiu mais que todo mundo e fez o 3 x 2 que dava ainda mais vantagem ao time da Vila (que acabou vencendo a segunda partida por 3 x 0). No campeonato brasileiro do mesmo ano, o Santos veio de novo ao Morumbi e logo de cara abriu o placar. Parecia que seria mais uma decepção para a torcida tricolor, mas em 20 minutos, Dagoberto virou o jogo para 3 x 1. Logo depois do terceiro gol São Paulino, o Santos fez o seu segundo, como quem diz – “não está nada decidido”. E não estava mesmo. No segundo tempo, o São Paulo, de novo com um a menos, se fechou na defesa, mas acabou cedendo o empate. 3 x 3. O Santos pressionava, buscando a virada, mas quem marcou foi o São Paulo, no final, com Jean, após rebote do goleiro na cabeçada de Ricardo Oliveira. Três pontos que não serviram para nada no final do campeonato, mas uma tarde de vitória inesquecível que valeu muito para quem acompanhou o jogo e desceu a rampa do Morumbi cantando o hino igual criança.

Hoje o Santos não possui mais um futebol de encher tanto os olhos, como na época de Robinho. Mas é o atual campeão da América, o atual campeão paulista e o favorito em tudo o que disputa nesse primeiro semestre. O time que tem dois jogadores completamente fora do comum, que decidem jogos cruciais em um toque, em um drible. O Santos tem Ganso. E o Santos tem Neymar. O São Paulo ainda é um time em formação, que passou por uma grande reformulação e melhorou, mas que ainda precisa melhorar muito.

Mas é o São Paulo quem manda no jogo, como tem que ser quando joga no Morumbi, seja contra quem for. O Tricolor abre o placar com Casemiro, logo no início. E continua indo pra cima, tocando a bola, marcando duro, criando chances. Foram pelo menos quatro chances claras para ampliar o placar no primeiro tempo. Mas a bola não entrou e o placar de 1 x 0 persistiu.

Na volta do segundo tempo, o Santos busca o empate após cobrança de escanteio. Como o São Paulo pode tomar tantos gols de bola aérea? Não sei, só sei que toma. Para piorar a situação, Rodrigo Caio é expulso. Aliás, foi a expulsão mais cantada do futebol mundial em todos os tempos (tá, talvez eu esteja exagerando, mas que foi cantada, isso foi). As 30 mil pessoas que estavam no estádio sabiam que ele seria expulso se continuasse em campo, marcando o Neymar no mano a mano. Todo mundo viu, menos o Leão. Jogo empatado e o Santos indo pra cima, com sua maior estrela, com a sua maior alegria, o menino gênio, o Pelézinho - Neymar. Só que não era dia dele. Quem foi ver Neymar, viu Lucas. Hoje o garoto fez o que falta para que ele seja craque – chamou a responsabilidade do jogo. Pediu e brigou pela bola, deu ombrada, botinada e arrancada. Tabelou com Luís Fabiano que invadiu a área e foi derrubado pelo goleiro. Na cobrança, ele próprio, o dono da camisa nove, o Fabuloso, o Fabigol, o filho querido que voltou pra casa. E ele faz o que nasceu pra fazer - a rede balançar, a arquibancada tremer e a torcida gritar – LUÍS FABIANOOOOOOO.

Só que o Santos é o time do amor. E o Santos tem Neymar. Mesmo em um dia ruim, ele é melhor que quase todos os outros. Casemiro ainda facilita a vida do craque, perdendo uma bola na defesa. Neymar invade a área, dribla o goleiro e empata a partida novamente.

Tensão, resultado aberto. O São Paulo está visivelmente cansado, todos correram demais para suprir a falta de um jogador. O Santos toca a bola, inverte o jogo, coloca o São Paulo na roda, esperando o momento certo de dar o bote. O Santos confia em sua estrela e sua torcida canta, empurrando o time pra cima. Afinal, o Santos é o melhor time do Brasil, o Santos é o time da virada.

Mas o São Paulo é o time da fé.

E às vezes, tudo o que a gente precisa é um pouco de fé. Lucas numa tarde inspirada também ajuda bastante. O garoto parte pra cima, deixando seis jogadores santistas pra trás (talvez tenha exagerado um pouco aqui também, mas quem se importa?), invade a área e cruza para Cortez. O nosso jogador mais regular, o melhor lateral esquerdo em atuação no Brasil, o segundo melhor em campo, com o gol aberto, chuta de direita e a bola vai na trave. Caprichosamente, volta nos pés de Lucas. O gol tinha que ser dele, o destino queria isso. E ele não decepcionou, tocou rasteiro e fez a rede balançar, a arquibancada tremer de novo e um monte de gente tirar a camisa pra rodar no alto enquanto cantava o hino. Essas bobagens de torcedor.

Daí até o apito final eu não vi quase mais nada, porque estava entretido demais rodando a camisa e cantando o hino.

Saboreando o gosto doce de vencer uma grande partida numa tarde de Domingo.

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