Abandono
Sábado, hoje em particular minha cabeça dói. Acordei com a corrida de minha sobrinha lá fora com o novo membro da casa. Um cãozinho.
Na quarta-feira, um gatinho foi abandonado no quintal no meio de um temporal onde raios fizeram alguns estragos por aqui. Nesse caos alguém teve a capacidade de sair de sua segurança e jogar um ser pequeno e indefeso para dentro de minha casa. Tudo bem, não somos monstros, nem meus cães o matariam. Estão acostumados ao vai e vem de bichinhos. Mas, não poderiam esperar a chuva passar? Não, claro, que não.
A pressa em livrarem-se do que incomoda é grande. Dane-se quem os ama. Deve ser assim que pensam.
Tudo bem, mais um, menos um... Cá está o gatinho preto, miúdo que só ele. Ao todo agora cinco gatos. Céus, isso não pára nunca?
Ao escrever penso em minha sobrinha, a situação dela não é diferente, tem oito anos. A mãe, que por acaso é minha irmã, resolveu dar uma guinada na vida, a qual não incluia as filhas. Joga a menina aqui, joga ali, conclui: "Não posso criar."
Os dias de folga dedica aos novos amores vindos depois da separação, crianças atrapalham. Mas as crianças não são bichinhos em que possam ir a uma feirinha de adoção. A tia cuida.
Tudo bem. Se a tia cuida de bichinhos, cuida de crianças.
Não que eu não tenha filhos, os tenho. Um casal. Ele já casado, ela comigo.
Minha sobrinha não me incomoda, é um anjo de criança. Quando paro para pensar, fico imaginando se minha irmã sabe a sorte que tem em ter filhas saudáveis e inteligentes. A outra, menor vive de creche em creche e em casa de estranhos. O pai, essa tem pai, não abre mão para que outros cuidem, mas também não se responsabiliza pela criança no dia à dia.
Bom, voltando aos bichinhos, acordei com o corre-corre de minha sobrinha no quintal, seguido da voz de minha filha, uma autêntica defensora dos direitos dos animais. Lembrei-me de nosso novo habitante.
Estávamos recolhidos aos nossos ninhos, quando ouvimos o grunido de um outro bichinho. A maior de minhas cadelas se colocou em guarda.
Ao olharmos o quintal vimos o pobrezinho acuado em um canto.
A dúvida era: Como ele entrara? Pois se um gatinho passa facilmente pelas grades, um cão, não! Além disso sobre as grades há a cerca elétrica.
A conclusão foi: Arremessaram por cima da cerca sem ao menos se preocuparem se levaria choque ou não. O pobrezinho tremia e tremia.
Alimentado e protegido, logo estava brincando e rosnando para os gatos.
Mas fica no meio disso tudo a minha indignação, o meu pesar. A minha impotência. O meu sentimento maior diante dessa realidade é sem dúvida a impotência. A impotência diante do descaso, de tantos casos de abandono a alimentarem as feias estatísticas dos seres humanos.
Seres que deixam à rivelia outras vidas. Talvez seja por isso que minha cabeça insista em doer... Já que não posso vomitar toda a minha impotência.