Overdose...
Era mais um dia de visitas. Para isso os preparativos começavam por volta das 4:00h da madrugada. O relógio imperdoável soava estridente alardeando meu compromisso.
Entre todas conduções quase três horas para chegar ao meu destino.
Para quem nunca esteve em um Hospital Psiquiátrico as primeiras impressões assustam. São portas e mais portas trancadas, uma a uma aberta e controlada. Os responsáveis revezam-se. Revistas são feitas para que nenhum material cortante, cordões ou cigarros entre outras coisas driblem os guardiões.
Hoje, não quero falar dos motivos que me levavam a esses hospitais, talvez em outra crônica o faça.
Nessas visitas além de minha própria incursão no seio da esquizofrenia e de outros distúrbios psiquiátricos, deparei-me com jovens reféns do vício. Um deles em especial chamou-me atenção.
Os parentes e visitantes conduzidos a um patio, por sinal bem cuidado e bonito, tinham acesso a uma cantina e salas de espera que circundavam o estabelecimento. Os pacientes estavam na maioria por ali nos esperando, um ou outro que ainda permaneciam nos quartos eram chamados. Muita dor presenciei ali, muito sfrimento. Casos e mais casos. Um diferente do outro.
Esse em especial era de um jovem. Enquanto eu esperava minha vez de adentrar em minha entrevista semanal com a psicóloga juntamente com a pessoa por mim visitada, fiquei ali a conversar. Todos sem exceções estavam medicados. A voz pastosa, os passos cambaleantes eram evidentes.
O garoto deveria ter uns vinte a vinte e dois anos, não mais. Falava em música, em poesia e em livros, embora informática fosse seu campo. A fala entrecortada não lhe tirava o brilho da inteligência.
Aos poucos foi contando sua historia de menino prodígio. Eu imagino que essas esperas e esses contatos também façam parte do terapia nesses locais. Pois ganhamos e aprendemos todos.
Devagar fui percebendo que ele entrara no mundo das drogas, sou totalmente leiga no assunto, sequer conheço a maconha. Mas era óbvio o estrago ali causado na vida daquele garoto. Talvez um fator desencadeante de um desvio psiquiátrico.
Calei-me a ouvi-lo cantar e recitar versos. Por fim me ofertou um livro de Saramago que trazia nas mãos. Sem graça, aceitei. Vi no gesto mais um apelo do que qualquer outra coisa.
Em seguida fui chamada pela psicóloga juntamente com meu familiar para a consulta de praxe.
Curiosa voltei na semana seguinte a cumprir a mesma rotina.
O garoto porém não estava mais lá, bem sei eu que para ter alta deveria ter passado pelas fases exigidas pelo tratamento, certamente não era o caso, pois o tempo fora insuficiente.
Entre uma informação e outra consegui saber, que realmente ali havia chegado depois de uma overdose de alguma droga ilícita. Pela falta de apoio familiar e amigos, tornou-se extremamente violento, mesmo medicado dentro do hospital. Contido e sedado transferido para uma ala onde a rigidez da terapia era maior.
No período que mantive contato com esse ambiente muitos casos similares presenciei não somente pelo uso de drogas mas também pelo uso do alcool.
Dessas observações ficou-me a sensação de impotência diante da escravidão das drogas e os malefícios por ela trazidos.
Um ponto de interrogação sem resposta...