DANDO UM TEMPO

Por Carlos Sena

 
A gente, vez por outra precisa se dar um tempo. Um tempo diferente daqueles dos amantes indecisos que dizem ao ser amado: ”preciso de um tempo”. A gente precisa de se dar um tempo independente de qualquer situação, posto que viver não seja tão simples como a gente diz querendo ser prático. Viver dá trabalho e é um duro exercício de erros e acertos diante dos outros e diante de nós mesmos. Diante dos outros a gente se recompõe socialmente, mas diante de nós a recomposição passa além do socialmente aceito, invadindo nosso interior que nem sempre está em festa. 

Dar-se à um tempo significa permitir-se a uma sabatina interior em que o algoz alterna com a vitima num mesmo território sob o nosso próprio comando particular. As questões do afeto, da vida e da morte, sempre nos rondam nesse tempo que a gente se permite como que querendo encontrar respostas para perguntas que nós nunca fizemos. Nesse bojo de conflitos interiores, poucos isentam o amor dessas “berlindas”. Por ser grande e pequeno ao mesmo tempo; singular e plural ao mesmo tempo; eterno e passageiro ao mesmo tempo; filosófico e prático ao mesmo tempo, o amor sempre nos pega meio de “calças curtas”, pela sua nem sempre alcançada lógica de nos invadir e em silencio. Quando faz barulho, o amor se redesenha e foge em silêncio como se o silêncio fosse sua “nave” de sedução. O silencia é um pouco a linguagem dos sábios e por isto talvez sirva para todos se recomporem em suas ondas nem sempre magnéticas, mas sempre etéreo rumo ao infinito. 

O tempo que a gente se dá para compreender o amor ou para tentar vivê-lo em plenitude é muito significativo. Por isto só a linguagem da clausura sirva para a gente se confessar à nossa consciência em busca da nossa consistência para, de alguma forma, não se escravizar das supostas formas de amor, ignorando que ele, por ser eterno, não se despe no usual trajeto dos humanos. O tempo que a gente se dá para se recompor no amor é diferente dos demais tempos. Nele a voz do coração é quem fala e quem cala é a voz da razão, pois nós humanos temos a terrível mania de racionalizar o afeto da dimensão do amor. 

Diante dos nossos altares, nosso tempo pode se perder em si mesmo pela especificidade que o amor se permite. Mas esta é a missão dos que prefere não se perderem nos caminhos por falta de introspecção, por falta de se deixar ouvir pelo vento que sopra nosso rosto e pelas linguagens que nos cercam em cada folha que cai em cada chuva que nos molha, em cada noite que se entrega aos braços do dia. Em nossa volta há sempre acontecimentos que a gente precisa compreendê-los em nosso retiro. Isolar-se um pouco e se permitir sentir o universo é uma boa forma de comportar o tempo que a gente se dá para não se perder no rumo dos ventos.