Por Trás das Atitudes
O Lindemberg foi finalmente condenado. Como todos queríamos. Queríamos mesmo ou foi decorrência da maciça dose de referência ao caso feita pela mídia? Na TV o rosto da garota à toda hora pedindo “Calma, calma...”. Morena bonita, rosto sereno, que, segundo contam alguns, tinha acabado de participar de momentos libidinosos (ou sexo grupal) em companhia da amiga e de dois amigos. E que foi flagrada pelo ex-namorado que, achando-se humilhado, acabou assassinando-a. Ou seja, fez o que não deveria ter feito. Mas não deveria ter feito se outra fosse a sua formação.
Dois aspectos, pelo menos, são claros nesse episódio. Primeiro a importância dada pela mídia que, por trás da necessidade e dever da informação, opera sempre em função do faturamento. O jornal, impresso ou televisivo, tem que ter notícia. Pra que possa vender. Seus exemplares na banca ou o tempo na TV. Os anunciantes sempre por perto. Ou em conjunto. Ou envolvidos. Quanto maior a repercussão que o caso possa ter, melhor. Se aconteceu há alguns anos, e ainda acha-se fresco no consciente coletivo, melhor ainda. O “sucesso” está garantido. Vai vender tanto quanto a presença de Bob Dylan por aqui. Provavelmente muito mais. Ou que o desaparecimento da maravilhosa Whitney Houston.
Mas não nos devemos esquecer que casos como o de Lindemberg/Eloá acontecem aos montes no Rio, Santa Catarina ou pelo interior de São Paulo, onde acontece tudo de ruim. Ou tudo de bom, não fosse esse estado a locomotiva do país. Sem falar nos casos que, embora rumorosos, não alcançam a projeção que teve esse, em que o réu foi condenado a 98 anos de reclusão. Como o do advogado que comprovadamente matou a mulher, o corpo foi achado, e ele, ao que parece, continua respondendo em liberdade. Contrastando com o caso do goleiro do Flamengo que, acusado de ter tramado o assassínio da namorada, acha-se preso, embora o corpo não tenha sido encontrado. Nem sei se foi condenado. Justiça dos homens. Coisa dos homens, como diria João Bosco no seu célebre samba “O Ronco da Cuíca”.
O segundo aspecto dessa questão diz respeito aos estereótipos sociais. Em que não pode ser subestimado o peso nada obscuro da religiosidade. “Não cobiçarás a mulher do próximo”. E se a mulher do próximo entender que deve ser cobiçada? Isso poderá representar uma agressão moral ao marido, que se sentirá fortalecido para ofendê-la fisicamente. Quem gostará de ser chamado de “chifrudo”?
Somos tentados a considerar que, sob este aspecto, focalizando a questão meio que de longe, fora do teatro de operações, crimes dessa natureza acontecem por razões imbecis. Isto é, se não houvesse aquela história de “até que a morte os separe”, que faz com que o homem ache que a mulher é como um relógio de pulso, que só sai do braço dele à hora que ele quiser, tais acontecimentos poderiam ocorrer de forma diferente ou não ocorrer. Não há dúvida de que somos muitas vezes o resultado de clichês introjetados há muito em nossa cabeça, estímulos que produzem uma resposta conhecida. Que todos esperam que a produzamos. Inclusive nós mesmos.
Não se trata, é claro, de se fazer a defesa do Lindemberg ou de se justificar a sua reprovável conduta ou o seu descontrole emocional ou a sua imbecilidade. Ele está no Brasil, vive no século 21 e essas são as regras do jogo. Trata-se de admitir que o Lindemberg pode estar, um pouco mais ou um pouco menos, em cada um de nós. Que fomos criados sob as mesmas contingências, os mesmos parâmetros, os mesmos prognósticos.
Ou será diferente quando ganhamos uma “fechada” de um outro carro sem uma razão aparente? Ou só porque trafegávamos devagar? O que nos vem logo à boca é um sonoro “filho da puta” com o carro em movimento. Isso quando não perseguimos o agressor até fazermos com que pare e, como resultado da acalorada discussão, o alvejamos com um tiro ou somos alvejados por ele.
Para depois reconhecermos que, de ambas as partes, trataram-se apenas de atitudes imbecis.
Rio, 17/02/2012