Amores sob Bougonvilles

Semana passada, minha filha mais velha entrou na igreja, toda de branco, linda. 
O noivo era pura elegância. 
Em pé no altar, estávamos lá toda a família.
Meu casamento também foi inesquecível, casei com o homem que amava. 
Forte, austero, correto. Lindo. São vinte e tantos anos de parceria plena, conquistada dia a dia.
Um homem sério. Sempre cuidou bem da família. 
Eu fiz minha parte.
De uns tempos para cá começaram a sobrar horas livres.
Por sugestão de uma amiga, comprei um passaporte 
de um site de jogos, e passei a me distrair com um
 joguinho de buraco.
No fim de semana visto-me toda de branco, talvez até para espantar os maus espíritos, as más idéias.
Coloco uma cadeira dessas de vime nas sombras dos cachos das flores vermelhas de bougonvilles, me largo sobre ela. Minutos depois, e me afloram idéias e 
lembranças que trago comigo das noites no site.
Pouco mais que dois meses, conheci um doce diabo que 
me tem tirado o sono.  Minha cabeça está confusa. 
As vezes me flagro viajando nas fantasias.
As amigas já me avisaram, saia fora dessa aventura, você vai se machucar.
Que força infernal tem o vazio da solidão. 
Parece que suga a gente, inebria, faz a cabeça pequena.
Ele me faz confidências, eu também as faço.
As vezes me solto em intimidades que jamais poderia 
supor dizer a alguém.
Esse doce diabo me leva á loucura. Se não aparece, fico inquieta. Depressiva.
Se me ignora, ou não joga comigo, o jogo perde o gosto.
As piadas viram tragédias.
O vazio aumenta. Até esqueço dos conselhos e aceito a submissão.
Quando ele volta, a luz tem brilho. Os coringas aparecem. 
Até a conexão fica tranqüila. Meu peito fica sereno. 
Ele brinca, provoca. 
Diz na mesa que está com os pés no meu colo. Me toca.
Eu confesso que viajo. Tem dias que até sinto o carinho. Que loucura isso. Parece mesmo que é real. No MSN ele me diz coisas que coraria Plínio Marcos. Jamais poderia imaginar ouvindo ou lendo isso, dirigido especialmente a mim. Jamais. As amigas avisaram. Fuja. Ele não presta,
faz isso com todas. Você será só mais uma. 
Olho para os cachos vermelhos de bougonvilles, volto para as  lembranças do dia a dia.
Quantas noites, que ficamos jogando até 1 ou 2 da madrugada, com todos os temperos que imaginamos. 
As vezes é tanta pimenta, que já nem sei mais as cores 
e os formatos.
Vou para a cama, com pernas tremulas, boca seca,
coração pulando do peito. Visto minha camisola azul, me deito ao lado do marido. Uma sensação de culpa, de sim 
e não que me apavora. Luz apagada, suavemente deixo minha mão curiosa seguir um caminho já há muito tempo conhecido.  Procuro aquele mastro rígido, firme, do barco que conduz as nossas vidas, mas infelizmente, 
só encontro penugens macias de um ganso que morreu afogado.
Viro-me para o lado, coloco um travesseiro entre minhas coxas,  me sinto apaziguada, protegida.  
Essa prisão me liberta.
Antes de chegar o sono, ainda consigo sorrir em silêncio. 
Fico imaginando, que um dia vou pegar aquele galinha sedutor do site, que tanto me faz feliz, vou nocauteá-lo
com meus carinhos, e depois ir arrancando  pena por pena, assim como se faz com uma margarida: 
bem-me-quer, mal-me-quer.
Aí dele se acabar no mal-me-quer. Arranco-lhe a conexão.

Augusto Servano Rodrigues
Enviado por Augusto Servano Rodrigues em 17/01/2007
Reeditado em 27/08/2007
Código do texto: T350050
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