56 - Speaker's Corner at last!
Um orador em cima de um estrado?
Um estrado em pedra? Ou em cimento?
E cada orador esperando pela sua vez para tomar a palavra?
Nada disso.
Devem estar aqui uns dez oradores.
Não há uma só mulher, só homens.
Como se vê, a ideia que eu fazia do Speaker’s Corner estava errada.
Completamente.
Um orador branco, britânico, a falar impecavelmente o inglês?
Não. De todo, não. Vamos ver alguns.
O 1.º orador à minha direita: um homem, que aparenta ser mais ou menos da minha idade, com boina à Che Guevara! Uma estrela vermelha cravada na boina.
Está pendurado num escadote. À sua volta aglomerou-se uma pequena multidão: arenga sobre injustiças sociais do Capitalismo.
Defronte dele, à minha esquerda, de pé, no chão, um negro rodeado por outra pequena multidão.
Repete e repete e repete: não há um só lugar na Inglaterra onde haja liberdade!!
Vamos ouvir o terceiro orador: um branco em cima de um escadote a invectivar os imigrantes muçulmanos.
Mesmo diante dele, não muito longe, no meio de um extenso relvado, homens muçulmanos oram voltados para Meca.
Do outro lado, um homem branco: não consigo perceber os seus argumentos. Nem me interessam.
Depois, um negro envolto na Union Jack que se intitula de Anglo-Saxon Nigger.
Outro homem, um homem do Bahrein, exprimindo-se em inglês, denuncia prisões arbitrárias no Bahrein.
Ainda defronte do homem do Bahrein, um negro gigantesco brandindo uma Bíblia descomunal confessa ser muçulmano. Segundo ele a Bíblia é uma fraude.
Um outro negro mais à frente, diz-se cristão e admirador de Adolf Hitler: ninguém lhe liga. Mas também ninguém o molesta.
Defronte deste, um árabe: não se exprime em nenhuma língua que eu conheça. Suponho que se exprima em árabe.
Um miúdo acabado de chegar com outros miúdos, aqui mesmo ao lado, desata a falar dos malefícios do poder da União Europeia sobre a Inglaterra.
O Speaker’s Corner como eu imaginava e como o vejo agora, é ou não um símbolo de liberdade de expressão?
Há quem tire fotografias. Eu tiro.
A tarde está amena. Vou ler o tal livro sentado na relva.
Londres
Speaker’s Corner
18 de Julho de 2010
Mário Moura