Falcão-peregrino


Éramos cinco, no Bar da Amendoeira, em Marechal Hermes, jogando o jogo das palavras. Qual era a palavra mais bonita do mundo? Lá pela vigésima rodada de chope, fora as minhas pingas de barril, Maria do Carmo abriu um daqueles sorrisos que deixavam qualquer um de pau duro, limpou a garganta e saiu-se com esta: a palavra mais bonita do mundo é falcão-peregrino. (“Puta que pariu!”, disse comigo mesmo, morrendo de inveja.) Marina arqueou o sobrolho, sinal de encrenca (“Vale, sim”, apressou-se a dizer a outra, “tem hífen, é uma palavra só!”), enquanto o resto do grupo, tocado pelo espírito-santo dos poetas, declarava falcão-peregrino a grande vencedora da noite, embora sujeita a posterior confirmação no dicionário do Aurélio: o problema do hífen. Delegamos a tarefa a Marina, que delirou com a idéia, e levantamos acampamento. Amanhecia já. De volta a casa, seguíamos a pé — descalços, despenteados, destrambelhados — pela rua do rio Tingüi, sob a algazarra dos passarinhos. Mais bêbado que os outros, eu me deixava ficar para trás, chutando pedras e inventando saudades.


[17.3.2005]