Tá no Futruque
- Minha esposa trabalha em Rio das Ostras. Tem que ir aos domingos porque leciona lá às segundas e terças. E daqui é longe.
- Deve ser bem complicado.
- Um pouco. Pega um ônibus daqui de Bambuí até Maricá. De lá um outro até Araruama e de Araruama mais um até São Pedro da Aldeia. E de São Pedro um outro até São João da Barra. São quatro conduções no total.
- É..., sendo assim só mesmo pernoitando no domingo pra poder estar lá no horário na segunda-feira.
- Isso aí. Ela inicia às 7h30.
- Não sei se você sabe que havia trem passando em Maricá e que ia até Búzios, ou passava por perto. Sua mulher podia pegar um ônibus até Maricá e de lá ir embora de trem. Duas conduções apenas e um passeio muito mais agradável. Daria pra ler um livro ou preparar uma aula. Ou plugar o lap-top dela numa tomada, ou plugar no lap-top um modem 3G e ir surfando na internet.
- Claro, condições de Primeiro Mundo.
- Isso se esses governantes tivessem respeito pelo povo, que é obrigado a elegê-los, falava Aderbal, não se preocupando com a alteração do tom de voz.
Na verdade não precisava falar baixo. No carro eram apenas ele e o Jorge Eletra, que pegava uma carona até o centro de Maricá.
E continuou:
- Eles acabaram com os trens no país, priorizando o transporte rodoviário.
- E quem não tem carro é obrigado a passar pelo sufoco de ter que pegar ônibus e levar às vezes até quatro horas pra chegar ao trabalho.
- E quem tem carro, depois da documentação pra poder trafegar; do IPVA que aumenta todo ano; dos pedágios, que também são corrigidos anualmente; das multas de trânsito, decorrentes de “pardais” que são estrategicamente colocados atrás de passarelas ou no meio da vegetação pra não serem vistos e você ser autuado; do dinheiro que devemos reservar para o guarda não nos apreender o veículo por qualquer falta de documentação boba; do seguro do veículo pra que o prejuízo não seja maior em caso de roubo, etc. – isto é, quem tem carro também vive o seu inferninho.
- Mas ainda assim eu preferia ter um carro, ponderou Jorge.
- Claro, natural. Mas é exatamente com isto que eles contam. Porque não contam e não se preocupam jamais com a qualidade de vida dos cidadãos. Ou com o que é efetivamente melhor pra gente. Um sistema de transportes que funcionasse beneficiaria não apenas a quem tem ou não carro. Beneficiaria o país, a partir de uma utilização mais racional, por ser menos acentuada, de nossas rodovias, com menores custos de consumo de petróleo. Beneficiaria o meio ambiente, com a diminuição dos índices de poluição. Beneficiaria inclusive a produção, na medida em que as pessoas chegariam menos cansadas e com mais disposição para o trabalho.
- Mas o senhor acha mesmo, Sr. Aderbal, que vale à penas tudo isso que o senhor está me dizendo? Já que nada disso vai nunca acontecer?, perguntou Jorge, meio timidamente.
- Não, não acho, não. Vamos mudar o rumo dessa prosa. Que tal a minha letra pra um funk...?
- Leva aí, Sr. Aderbal!
- Tá no futruque/ tá no futruque/
Tá-no-fu/ tá-no-fu/ tá-no-fu-tú/
Tá no futruque/ tá no futruque/ ...
- Mas isso aí não é o que faz o cara do “ah, como sou bandida...”?
- Bem, ela fala “futuque”. Eu estou falando “futruque”, porque na vida tudo é mais ou menos um truque. Alguma coisa que a gente não sabe. E quando vai saber, já era. “Fu-truque” também tem um pouco a ver. Porque “truck”, que é bem parecido com truque, significa caminhão em inglês, a nossa primeira língua. Além de ser um veículo relacionado a ruas e estradas. Além disso, Jorge, tendo carro ou não a gente tá é bem futricado, não acha?
- Ah, Sr. Aderbal, como o senhor é... engraçado!