Crenças cinematográficas

Crença 1: Os grandes rochedos são feitos de papelão.

Esta crença é derivada dos filmes do Maciste. Ele era um tipo de um Hércules italiano que contracenava com atrizes bonitonas e voluptuosas e, após vencer os dragões, inimigos e até vampiros (!), beijava a mocinha na última cena. Com cara de halterofilista retardado, o ator mais meu conhecido era um tal de Mark Forrest. Acontece que as produções eram de baixa qualidade e os blocos de pedra caíam no chão e saiam pulando. A partir daí, no meu imaginário cinematográfico, os grandes rochedos eram todos de papelão.

Crença 2: Todo o sujeito de bigodinho fino é um salafrário.

Esta crença deriva das chanchadas da Atlântida. As chanchadas eram comédias em preto-e-branco crivadas de músicas de carnaval. Aparentemente elas serviam para a venda de discos para o carnaval do ano. Quando pequeno assisti muitas chanchadas e aprendi muitas músicas de carnaval. Na verdade meu primeiro filme sozinho foi uma chanchada, aos oito anos, “Rico Ri à Toa”, com Violeta Ferraz, no Teatro Guarany, em Pelotas. O bom mesmo era que eu não pagava cinema e podia assistir às sessões das duas, das quatro, das seis e das oito – desta eu não passava para não chegar tarde em casa. Tinha dois tios que trabalhavam no IBGE e, não sei por que cargas d’água, eu dizia o nome de um deles para os porteiros e eles me deixavam passar. Era como um “Abre-te Sésamo!” real. Maravilhoso. Mas o tal bigodinho era do Zé Trindade, um ator cômico baiano, com um bigodinho fininho e que sempre era o trapaceiro, espertinho, medroso, mentiroso. Não posso deixar de desconfiar dos tipos parecidos com ele até hoje. Que me desculpem os amigos de bigode fininho, se é que tenho algum.

Crença 3: Bastão de Leite tem gosto de sangue.

Bastão de Leite era um chocolate que se comprava na, digamos, bombonière dos cinemas. Era coberto de um chocolate e recheado com algo leitoso, um caramelo. Pois, no intervalo da exibição de “Ben-Hur”, que era longa-metragem e todo mundo saía para ir ao banheiro e comprar doces, inventei de comprar o tal Bastão de Leite. Para fazer durar ia comendo aos pouquinhos. Foi aí que começou a famosa cena da corrida das bigas, com dezessete minutos de duração, filmada com realismo, culminando com o sangrento atropelamento de Messala. O sangue na tela ficou associado para sempre ao gosto do Bastão de Leite. Nunca mais provei. Não sou vampiro...

Crença 4: A oitava maravilha do mundo é a bunda da Brigitte Bardot.

Há que se considerar que em 1957 era muito difícil se ver bundas e peitos de forma oficial. A gente tinha acesso a estas partes anatômicas através dos desenhos dos gibis do Carlos Zéfiro (comprados escondido) e dos filmes chamados de “científicos” – na verdade filmes suecos de sacanagem, disfarçados de informação científica, mas que todo o mundo ia mesmo ver para apreciar as partes pudendas dos atores (para comparação pessoal) e das atrizes (por carência de disponibilidade). Os gibis do Zéfiro eu via quando podia e nos filmes “só para homens” não deixavam entrar guris de 8 anos. Assim que, naquela época, era dura a vida de iniciação para os pré-adolescentes. Foi numa tarde de sábado que uma empregada de casa foi comigo no Capitólio, para vermos uma ingênua comédia com a Sandra Dee e o Bobby Darin. Mas não é que passaram o trailer de “E Deus criou a mulher” e ainda mostraram a cena com a Brigitte de bunda para cima ao sol?! Eu estava sentado na galeria e tinha uma grade na minha frente, fazendo com que eu visse o filme pelos buracos da grade. A sensação de voyeurismo foi ainda maior. Eu estava espiando a Brigitte pelada! Bunda lisa e saliente, eu me recordo – amarcord. Bendito gerente de cinema irresponsável. Definitivamente a oitava maravilha do mundo. Devia ser eternizada como os pés dos jogadores de futebol. Deviam tê-la feito sentar pelada no cimento. E a propósito: meus primeiros seios no cinema apareceram pouco tempo depois, num filme policial com a Pascale Petit. Ah! As francesas!...