E a família como vai?
Minha entrada no mundo dos adultos deu-se, como para a maioria dos meninos daquele tempo, pela mão do pai. Na nossa infância rural, a mãe quase não aparecia além da porta da cozinha. Ficava restrita aos afazeres domésticos, às atividades que lhe conferiam o título de dona de casa. Era seu cargo e sua área de atuação. Mais que dona era, na verdade, a empregada da casa. A casa, por outro lado, era também o seu reino: lá dentro, nada escapava ao seu comando.
Cabia ao pai cuidar da ligação da família com a realidade exterior. Através dele, abria-se para os filhos a possibilidade de romperem os limites do círculo familiar e enfrentar a aventura de descobrir o mundo.
Com a simplicidade de roceiro e, à semelhança de todos de seu tempo, com reduzidíssimo acesso às letras, o pai sempre fez isso muito bem. Sentia-se feliz quando meu irmão e eu pedíamos para acompanhá-lo. Éramos pequenos. Na época, se andava unicamente a pé; quando muito, a cavalo. Ele respeitava nossos passos curtos, para que não nos distanciássemos e o sentíssemos sempre perto.
Seu cumprimento a amigos e conhecidos me chamava a atenção. Lembro até hoje. Invariavelmente incluía a pergunta: “E a família como vai?”
Cresci acostumado à idéia de que alguém só existe dentro de uma família. Ela é o espaço humano fundamental para a vida e para a realização da gente. Aprendi que não importa a situação financeira, social, religiosa, cultural ou qualquer outra em que se encontre o indivíduo. Ele só deixará de ser um anônimo, um completo ninguém, só encontrará identidade se estiver inserido numa família.
Foi a lição que recebemos dos nossos velhos. Num período em que havia menos conversa e mais seriedade. Não se teorizava sobre a vida; lutava-se para conquistá-la. Não se discursava sobre a felicidade; pagava-se o preço de buscá-la sem fugir aos próprios compromissos. Não se visava o desfrute irresponsável do momento que passa; aprendia-se a construir, na paciência e no esforço, um futuro com garantia de firmeza. Tudo isso sem queixume nem reclamação das dificuldades que, inevitavelmente, há que enfrentar pelo caminho.
Hoje, tantas e tão distintas são as posições sobre família que, às vezes, se exige um tradutor para esclarecer novos significados atribuídos às palavras. Sem um ajuste prévio que explique os termos, corre-se o risco de lidar com conceitos equívocos. Cada um se investe de autoridade e se arroga o direito de definir família como aquilo que mais lhe agrada, aquilo que lhe convém melhor. Sob pretexto de liberdade de pensamento, de direito à individualidade, estabelece-se uma babel de opiniões em que já não há referencial para nortear sequer uma vida civilizada. E então, como ficamos? Progresso ou retorno à selva, sob a lei do mais forte ou do mais “esperto”?
Sei não. No cultivo de valores que fundamentam o agir humano, há razão para duvidar de que nos situemos em posição mais avançada que nossos pais. Por mais que exaltemos as modernas conquistas e nos creiamos donos de um novo saber, soa falso um certo “progresso” do qual nos orgulhamos.