Novo ano à vista
Você, que lê, e eu, que escrevo, somos privilegiados. Ano passado, neste dia e hora, estavam vivas pessoas possivelmente melhores que nós. Hoje, não fazem parte do nosso convívio. Por que misteriosa razão foram daqui levadas, enquanto nós ficamos? A mim, tenho certeza, o Senhor concede nova chance de me corrigir das minhas falhas. Ouvimos, a cada início de janeiro, o surrado “ano novo, vida nova”. Um ano que começa abre aos nossos passos uma nova estrada, que pode ser diferente da anterior, se quisermos. Entretanto, o que se dá, na maioria das vezes, é que passam os meses, termina dezembro, vira a folhinha e a vida prossegue na mesmice de sempre. E olhe lá se a gente não acaba mudando, sim, mas para pior.
É engraçado como as pessoas se repetem. Não há abertura de ano em que não nos venham aporrinhar as manjadas previsões de pretensos adivinhos. O papo não varia: catástrofe em país de tal continente, morte de político conhecido nacional ou internacionalmente, divórcio de conhecida artista da televisão... E por aí vai. Aos crédulos que, na antiguidade, iam consultá-los os harúspices romanos e pitonisas gregas forneciam vaticínios de interpretação vaga, jamais clara e inequívoca. Garantiam, assim, a veracidade das predições. O esquema prossegue imutável até nossos dias. Amigo meu conta que conheceu na sua cidade, lá na Bahia, um homem considerado experto em previsão do tempo. Perguntado se ia chover, invariavelmente dava como resposta: “Pode chover e pode não chover”. Nunca errou um prognóstico.
“Vulgus vult decipi, ergo decipiatur” (O povo quer ser enganado, então que o seja). Atribuído, às vezes, a Petrônio, escritor satírico romano do século 1°, o dito, na realidade, é de autor anônimo. Seu significado: ávido por novidades, o homem se contenta com qualquer versão, mesmo mentirosa. O que lhe interessa é satisfazer a própria curiosidade.
Que nos pode trazer o novo ano? De fantástico ou mirabolante, nada. Em 2012 colheremos aquilo que tivermos plantado. Por mais que as pessoas torçam, a realidade não vai se transformar assim, do nada. É tolice desejar o pó de pirlimpimpim que, segundo seu imortal criador, Monteiro Lobato, tinha o dom de transportar magicamente as pessoas para onde elas desejassem. Mágica não funciona na vida real. Todo efeito se produz a partir de uma causa. Se não colocarmos as condições, nossos anseios jamais se realizarão. Santo Agostinho (354-430) definiu, de forma lapidar: “Deus, que te criou sem ti, não te salvará sem ti”. Fomos feitos donos do nosso destino. Deus nos criou livres e senhores de nossas decisões. Cabe-nos a honra e o dever de buscar sempre o melhor. Por mais que isso custe. A construção de uma sociedade justa, solidária, fraterna não se dará por acaso. Se não nos comprometemos nesse projeto – cada um no espaço de atuação que lhe compete –, podemos esperar sentados, que nada vai acontecer.
O mundo está cheio de especialistas em apontar soluções. O que falta são os corajosos, que se disponham a meter a mão na massa. O ontem passou; é inútil lamentá-lo. O amanhã ainda não chegou; não adianta contar com ele. O que temos na mão é o hoje. O presente se oferece como promessa e possibilidade. Se deixarmos passar o momento de reconhecer e corrigir nossas falhas, continuaremos tecendo lamúrias sobre a droga de mundo em que nos sentimos condenados a viver.
A mudança do Universo começa pela mudança que eu promovo em mim mesmo.