O Vazio Existencial e os Melões de Santo Antônio
O vazio existencial e os melões de Santo Antônio
Às vezes eu o sentia quando mergulhava no rio para beber água limpa no fundo dele; e, a beber da água do fundo do rio, gole após gole, era como se eu estivesse bebendo o próprio rio, engolindo-o aos poucos, escondendo o rio dentro de mim no próprio ato de me esconder dentro dele.
Eu não tinha mais do que quatorze anos quando comecei a buscar refúgio no fundo das águas do rio Gongogi, só deixando a sóbria quietude do fundo de suas águas quando a minha cabeça começava a latejar, como se um sino estivesse tocando dentro dela, avisando que a reserva de oxigênio em meus pulmões estava para se findar...
O caminho de volta do fundo das águas do rio era feito lentamente, e um estertor, um arregalar de olhos espantados, me mostrava que eu estava de novo voltando ao mundo dos homens, retornando a uma vida que passava mais ao lado que em torno de mim. Já naqueles tempos, hoje me parecendo tão distantes e tão próximos, com a distância e a proximidade se digladiando com as armas da sanidade, eu me escondia na armadura da incompreensão dos fatos e das necessidades da vida, não vendo, na vida e nas pessoas, mais do que um emaranhado de eventos e de atitudes desconexas, e que, tanto ontem quanto hoje, eu não possuía bússola nenhuma para oferecer razoávelorientação.
No fundo das águas de minha memória, eu fico buscando a primeira vez que notei os melões de Santo Antônio pendurados nas cercas de madeira das casas e das roças por onde eu passava, grávidos daquele colorido ingênuo que só os frutos selvagens e o rosto marcado de rouge das mocinhas do interior ostentam tão despudoradamente.
Os melões de Santo Antônio, as cerquinhas de madeira, o outrora ingênuo e despudorado colorido das mocinhas do interior, as quentes areias do Campo do Amaro, toda essa parafernália que eu sempre usei para fugir dos moinhos de vento do vazio existencial, devem fazer parte de uma seita secreta, todos eles encapuzados a brandir ameaçadoramente uma espécie de banzo em minha direção, o que talvez explique essa sensação estranha que me acomete de repente, e me afasta do mundo e de mim mesmo, como se nada mais em volta de mim tivesse alguma importância.
Faz-se urgente sair a procura de uma noite azulada de luar; de contemplar carneiros de espumas a brincar num céu algodoado de meio-dia; de contar estrelas numa madrugada impregnada de cheiro de cajá– urge dar as mãos para minha amada e levá-la a ver os campos de murta rendados de orvalho, campos orvalhados que só existem no amanhecer de minha terra.
Terras de São Paulo, manhã de Sexta-Feira, meados de Dezembro de 2011
João Bosco