DIZENDO E ESCUTANDO – Um balanço de final de ano.
Por Carlos Sena
Todo final de ano a gente se diz coisas que nem sempre cumpre no ano seguinte. A gente passa o ano todo dizendo coisas para as outras pessoas. Dizemos no trabalho, na escola, nos grupos de amigos; dizemos aos filhos, aos pais, aos irmãos... Tudo dizemos, ou quase tudo. Dizer é sempre mais fácil do que escutar. Muitas coisas nos dizem, certamente, mas nós escutamos geralmente o que queremos. Por isto em cada final de ano é bom deixar de dizer e de escutar, mas se dizer e se escutar!
Poucos têm o hábito de se dizer e se escutar. Muitos apenas se dizem e se ouvem. O diferencial é a escuta nossa de cada dia. O final de ano mexe com todos, talvez porque muitos preferem se reconstituir em ilusões. Estas, até podem ser um importante ingrediente para a vida, mas nunca o determinante da concretude que serve de base para sobre ela edificar projetos existenciais e metas de vida. Não custa nada sonhar na vida, o que não se aconselha é viver a vida sonhando. A realidade dos segundos, dos minutos, horas, dias, anos, é produto particular de cada um. Por isto é importante fazer um PIT STOP em cada final de ano; fazer um “balanço” – parecido com aquele dos nossos tempos de criança nos parquinhos da cidade. Um balanço livre, solto ao vento, indo e voltando sem compromisso com a estética social dos humanos atávicos das coisas racionais. Um balanço de final de ano tem que prezar pelo nosso prazer de ter sido ou estado na vida inteiros, por todo o ano. Requer que “viajemos” na nossa imaginação vendo em cada subida do balanço, nossos ideais; em cada descida dele, nossas incertezas e nossos medos de que ele caia e a gente se esborrache no chão. Em cada subida, pode-se ver um pouco do que acontece no outro lado da rua que margeia o parque das nossas ternas ilusões. Em cada descida, poderemos aventar as possibilidades todas que a vida nos dá como alternativa de voar na medida certa e não dá um passo maior do que as pernas. Na subida do nosso balanço, poderemos nos encontrar com o amor que a vida nos deu e que nós, por alguma cobiça, deixamos escapar pelas mãos do nosso egoísmo; na descida do nosso vaivém, poderemos nos desvencilhar do pesadelo que um dia tivemos por não nos permitir ao primeiro afeto, ao primeiro beijo, por absoluta falta de crença do amor.
Poucos têm o hábito de se dizer e se escutar, repetimos. A verdade dos outros o calendário se encarrega de pinçar, as nossas não! Nossas verdades nos calam ou nos exalam. Nunca nos consentem. Consentimento é coisa da rotina em que a razão se faz inteira pra nos misturar dentro do zodíaco existencial. Por isto é bom, em cada final de ano, se dizer a si mesmo em escuta. Para isto é bom que se crie um “set” especial; que se estabeleça uma simbologia que nos permita ao nosso encontro sem interferência do mundo de fora. Esse balanço de final de ano requer uma liturgia simples, mas imprescindível: talvez uma varanda cheia de plantas, uma musica suave e um por de sol disponível aos nossos olhos... Primar pela solidão é necessário para que tenhamos certeza de que iremos nos encontrar. Afinal, a gente passa o ano todo se encontrando com os outros, escutando os outros, dizendo aos outros. Esse será o momento de nos validar diante da vida nossa que escolhemos para ser única. A vida única não tem ingredientes sociais de regras estabelecidas. A regra geral dela é o amor que temos por nós e que tem que permanecer para todo o sempre regendo nossa orquestra interior. Certamente haverá momentos desafinados. Certamente haverá conflitos existenciais. Certamente haverá encontros e encantos mil. Mas, todos serão únicos – alfa e ômega das nossas próprias ilusões de ser feliz concretamente.
Depois de cada ano novo, a vida segue naturalmente como sempre desde que o homem é homem. Contudo, nunca uma experiência de outrem poderá servir pra nós e vice-versa. Ser feliz é uma odisséia que cada um tem que conduzir a tiracolo, pela certeza de que nunca ninguém será feliz por nós. Pela certeza de que não somos eternos, sendo felizes estaremos nos eternizando. De repente, de tanto nos dizer e nos escutar, talvez nem seja mais preciso fazer “balanço” de final de ano.