CONSIDERAÇÕES SOBRE FALAR POESIA
O público sempre respeita a coragem
do poeta que fala seus versos
Quando cheguei e senti o clima do evento “Convergência”, espécie de reunião informal de artistas que acontece não periodicamente em Itaboraí – uma forma de resistência cultural totalmente afastada de correntes políticas e do poder público – imaginei logo que não seria simples falar meus poemas por ali. Eu falaria no intervalo da apresentação de uma dupla que unia som eletrônico e guitarra distorcida, em alto volume, e tudo isso numa noite de chuva intermitente.
O público estava ligado em 220 volts, e, pensei, talvez a poesia fosse uma coisa para correntes mais leves. É claro que meu mestre Chacal – criador do movimento CEP 20.000, que une poetas, músicos, atores e performáticos – com aquela presença, ritmo e urbanidade, tiraria de letra. Mas até ele, quando participou do ItaboraRio, em 2010, lembrou que algumas coisas facilitam: música e iluminação, para que o foco não fique apenas na figura nem sempre marcante do poeta, lugares para sentar, temas e versos escolhidos para a ocasião, etc.
Talvez se eu chegasse para fazer um stand-up comedy, e não algo do tipo “poesia em pé”, fosse mais fácil. Mas quem disse que a vida tem que ser fácil? O fato é que, ao contrário da minha primeira impressão, o público estava aberto a ouvir poesia, coisa que nem sempre acontece nas salas formais onde rolam recitais formais. Havia ali, também, muitos poetas e artistas. Recorri ao recurso que estava ao meu favor – falei algumas das minhas letras de música, mais fáceis de decorar, que têm mais ritmo e são interessantes. Coisa rápida. No fim, parei com vontade de continuar, saí com vontade de voltar.
A questão é que, mesmo escrevendo e falando poemas em público há mais de 25 anos, eu entendo porque muita gente não tem paciência para ouvir alguém falar poesia. Para 90% das pessoas, poesia é aquela coisa difícil de interpretar que causa calafrios quando você dá de cara com um livro de Português e Literatura no colégio. Quando você abre o livro, parece que está assistindo aquele filme – “Sociedade dos Poetas Mortos” – pois o cara menos morto ali já partiu há mais de 20 anos.
Além disso, a poesia constrange: quando você é jovem, se arrisca a escrever alguns versos, mas depois se enche de vergonha. Quando fica velho, a poesia faz que você se lembre do adolescente que foi, das cartas de amor (ridículas, como diria Fernando Pessoa) que escreveu. E tem sempre o professor que vai medir a qualidade da poesia pela “perfeição” dos versos, da rima, da estrofação, e estará disposto a dizer que o que você escreve é lixo. Mas, se vale relatar uma experiência, já vi auto-entitulados poetas censurando outros com os mesmos argumentos, em sites que participo, como se eles tivessem a “bula da poesia”. Quanta pretensão.
Aliás, a velha questão que divide a poesia “oficial” da “marginal” é outra coisa chatíssima. Vemos poetas que viram verdadeiras instituições – podem escrever a porcaria que for, que conseguem publicar pelas grandes editoras. Têm o nome, o carimbo de qualidade e a mídia. Em paralelo a isso, centenas ou milhares de outros se viram como podem – com livro de xerox, fanzine, blog, twitter, etc. Por isso o trabalho de gente como Heloísa Buarque de Holanda, com suas coletâneas de poetas desde os anos 70, é tão importante, ao pinçar de cada geração quem está fazendo algo bom e inovador.
Outro mito muito difundido sobre quem faz poesia no Brasil é de que todos escrevemos em português. Ninguém, repito, ninguém sabe exatamente como é esse tal de português – até os lingüistas divergem, ensinam uma coisa no colégio e outra na faculdade, não se acertam nem com os livros didáticos. Fora a “nova ortografia”, que só será compreendida quando for substituída por outra. Nossa língua é como o Curupira – anda para frente com os pés virados para trás.
Falar poesia e escrever poesia são coisas complementares e, a despeito de uma certa timidez e da incapacidade quase patológica de decorar meus poemas sem uma longa preparação, continuo me dedicando a ambas. Quando me chamam, eu vou e falo – afinal, o público sempre respeita a coragem do poeta que fala seus versos. Não consigo me ver como alguns escritores e críticos que conheço, sentado atrás de uma mesa carimbando poemas como se fossem memorandos. Mesmo com minha barba do século XIX e meus sonetos com ancestrais lá no século XIV, não vou fazer da poesia uma máquina do tempo que só vai para o passado.
O público sempre respeita a coragem
do poeta que fala seus versos
Quando cheguei e senti o clima do evento “Convergência”, espécie de reunião informal de artistas que acontece não periodicamente em Itaboraí – uma forma de resistência cultural totalmente afastada de correntes políticas e do poder público – imaginei logo que não seria simples falar meus poemas por ali. Eu falaria no intervalo da apresentação de uma dupla que unia som eletrônico e guitarra distorcida, em alto volume, e tudo isso numa noite de chuva intermitente.
O público estava ligado em 220 volts, e, pensei, talvez a poesia fosse uma coisa para correntes mais leves. É claro que meu mestre Chacal – criador do movimento CEP 20.000, que une poetas, músicos, atores e performáticos – com aquela presença, ritmo e urbanidade, tiraria de letra. Mas até ele, quando participou do ItaboraRio, em 2010, lembrou que algumas coisas facilitam: música e iluminação, para que o foco não fique apenas na figura nem sempre marcante do poeta, lugares para sentar, temas e versos escolhidos para a ocasião, etc.
Talvez se eu chegasse para fazer um stand-up comedy, e não algo do tipo “poesia em pé”, fosse mais fácil. Mas quem disse que a vida tem que ser fácil? O fato é que, ao contrário da minha primeira impressão, o público estava aberto a ouvir poesia, coisa que nem sempre acontece nas salas formais onde rolam recitais formais. Havia ali, também, muitos poetas e artistas. Recorri ao recurso que estava ao meu favor – falei algumas das minhas letras de música, mais fáceis de decorar, que têm mais ritmo e são interessantes. Coisa rápida. No fim, parei com vontade de continuar, saí com vontade de voltar.
A questão é que, mesmo escrevendo e falando poemas em público há mais de 25 anos, eu entendo porque muita gente não tem paciência para ouvir alguém falar poesia. Para 90% das pessoas, poesia é aquela coisa difícil de interpretar que causa calafrios quando você dá de cara com um livro de Português e Literatura no colégio. Quando você abre o livro, parece que está assistindo aquele filme – “Sociedade dos Poetas Mortos” – pois o cara menos morto ali já partiu há mais de 20 anos.
Além disso, a poesia constrange: quando você é jovem, se arrisca a escrever alguns versos, mas depois se enche de vergonha. Quando fica velho, a poesia faz que você se lembre do adolescente que foi, das cartas de amor (ridículas, como diria Fernando Pessoa) que escreveu. E tem sempre o professor que vai medir a qualidade da poesia pela “perfeição” dos versos, da rima, da estrofação, e estará disposto a dizer que o que você escreve é lixo. Mas, se vale relatar uma experiência, já vi auto-entitulados poetas censurando outros com os mesmos argumentos, em sites que participo, como se eles tivessem a “bula da poesia”. Quanta pretensão.
Aliás, a velha questão que divide a poesia “oficial” da “marginal” é outra coisa chatíssima. Vemos poetas que viram verdadeiras instituições – podem escrever a porcaria que for, que conseguem publicar pelas grandes editoras. Têm o nome, o carimbo de qualidade e a mídia. Em paralelo a isso, centenas ou milhares de outros se viram como podem – com livro de xerox, fanzine, blog, twitter, etc. Por isso o trabalho de gente como Heloísa Buarque de Holanda, com suas coletâneas de poetas desde os anos 70, é tão importante, ao pinçar de cada geração quem está fazendo algo bom e inovador.
Outro mito muito difundido sobre quem faz poesia no Brasil é de que todos escrevemos em português. Ninguém, repito, ninguém sabe exatamente como é esse tal de português – até os lingüistas divergem, ensinam uma coisa no colégio e outra na faculdade, não se acertam nem com os livros didáticos. Fora a “nova ortografia”, que só será compreendida quando for substituída por outra. Nossa língua é como o Curupira – anda para frente com os pés virados para trás.
Falar poesia e escrever poesia são coisas complementares e, a despeito de uma certa timidez e da incapacidade quase patológica de decorar meus poemas sem uma longa preparação, continuo me dedicando a ambas. Quando me chamam, eu vou e falo – afinal, o público sempre respeita a coragem do poeta que fala seus versos. Não consigo me ver como alguns escritores e críticos que conheço, sentado atrás de uma mesa carimbando poemas como se fossem memorandos. Mesmo com minha barba do século XIX e meus sonetos com ancestrais lá no século XIV, não vou fazer da poesia uma máquina do tempo que só vai para o passado.