Prosaica Poesia
Sobre a pia avoluma-se a louça do ajantarado de domingo.
Preparando-se para iniciar a tediosa tarefa, a mulher recorda.
Domingo, almoço tardio, reunião à volta da mesa farta e apetitosa. O marido, companheiro de lutas, cúmplice de horas secretas. Os filhos amados, desejados, ansiosamente esperados. Outros seres queridos, consangüíneos ou não, parceiros de horas alegres, amparo em momentos difíceis. Companheiros de jornada, todos. Reunidos, conversa alegre, o riso correndo solto. Momento de felicidade, jóia rara, a ser guardada com carinho.
E agora, aquela louça suja exigindo limpeza. Enquanto faz o que é preciso, ouve que ecoam ainda pela casa os risos, a conversa, a alegria. E sorri feliz, enquanto trabalha.
Tarefa executada, cozinha limpa e enfeitada, missão cumprida, a mulher senta-se para um cafezinho. E pensa.
Pensa no trabalho realizado como um símbolo. De um certo modo, é sua coroa de louros da vitória. Vitória de haver conseguido reunir em seu lar o amor, a alegria, a harmonia. Importa lá a louça suja, a confusão, a trabalheira. Bom mesmo é ter a seu redor a família feliz, unida. E ter abertas, para os amigos, as portas do lar. Recebê-los com amor e alegria. Sentir-se viva.
Continua suas reflexões. Vê que o amor perpassa a vida, ainda a mais simples, comum e rotineira; ali se encontra também, rondando, a fantasia. E que, se soubermos descobri-la, mesmo em atos corriqueiros manifesta-se a poesia. Prosaica, talvez. Mas ainda assim, poesia.