Revolta dos acarajés
Uma reportagem mostrou que os supermercados, em busca de inovação na oferta de alimentos, agora estão começando a comercializar o acarajé em suas vitrines refrigeradas, para desgosto das baianas, que, revoltadas, disseram que o alimento é típico da culinária baiana e, portanto, parte da cultura, que não deve ser objeto de negócio.
Discordo das baianas que vendem o acarajé em seus tabuleiros. Em primeiro lugar, o acarajé é como o açaí: deixou de ser um prato regional e caiu no gosto nacional e até internacional, sendo mais vendido, creio, fora da Bahia.
Em segundo lugar, a venda em supermercados só vai promover o produto e favorecer a venda nos tabuleiros, porque jamais os supermercados conseguirão uma fórmula de conservar o alimento sem adicionar produtos químicos.
Quem ousaria, a não ser pela pressa ou pelo improviso, deixar de comer um acarajé natural, com todo aquele molho especial com camarão e outros ingredientes, em massa de feijão fradinho manuseada pelas santas mãos daquelas baianas estilosas, para comprar o produto insosso no supermercado? Só mesmo quem nunca experimentou na vida o acarajé das baianas. E o turista que deseja consumir “in natura”?
Tem outro problema na comercialização pelos supermercados. Pronto para o consumo, levaria conservantes. Se o consumidor comprar apenas a massa com o kit de ingredientes, terá que levar também o azeite de dendê para a fritura. Dentro de um apartamento, seria pior do que o cheiro de peixe frito disseminado.
Esse regionalismo, de achar que acarajé é cultural e não deve ser reduzido às prateleiras dos supermercados, não pega. É como o churrasco e a feijoada. O churrasco no Brasil era coisa de gaúcho, e hoje se faz churrasco no Brasil e no mundo inteiro, e nem por isso os supermercados, todos com muita carne à venda, vendem churrasco pronto, embora tenham o embalado, que não se compara com aquela carne verde assada...
A feijoada era coisa dos escravos que viviam nas senzalas. Eram bem alimentados pelos seus proprietários, porque tinham muito valor como bens de capital. Hoje, a feijoada chegou ao Copacabana Palace, como diz Chico Anísio, em seu livro “Feijoada no Copa”.
Melhor que as baianas deixem os supermercados fazer de graça a propaganda para esse produto delicioso, quente ou frio, e aproveitem para incrementar seus tabuleiros e aquele ritual gostoso de fritura da massa do fradinho em dendê, que só de ver nos deixa com água na boca.