O  espírito carioca



 
                        Uma amiga de Minas estranhou o carioca não ficar elogiando o Rio, nem fazer questão de se vangloriar da beleza da cidade.
                        Disse-me ela que seus conterrâneos adoram elogiar a sua terra, gostam de conservar seus patrimônios históricos. Em suma, demonstram o seu amor pelo seu Estado.
                        Posso falar da minha longa vivência no Rio e dizer que realmente os cariocas não estão nem aí para esse negócio de cultuar a cidade. Eu mesmo não me recordo de ficar olhando para os belíssimos monumentos da cidade, inclusive os naturais,  como Corcovado, Pão de Açúcar, Pedra da Gávea, Lagoa, as belíssimas praias, desde o Flamengo até a Barra da Tijuca.
                        O carioca acha naturalíssimo isso e até se cansa de olhar para essas belezas. Eles deixam isso para os turistas.  E acha até engraçado a alegria da turma de fora, em busca dessas maravilhas.
                        Fui ao Corcovado umas três vezes na minha vida inteira e com um olhar de desdém.     Ao Pão de Açúcar, mais vezes, para mostrar para algumas turistas. Talvez, umas seis vezes.
                        O que o carioca quer mesmo é frequentar as praias, disso ele não abre mão.
                        E o que adoramos, na verdade ,  é descobrir lugares desconhecidos da maioria.
                        Serve até um boteco lá nos confins do Judas, mas que tenha, por exemplo, um caju-amigo, ou então uma empada de camarão feita de uma maneira diferente.
                        Quer dizer, o carioca gosta de novidades.  Mas essa novidade dura no máximo uns seis meses. Depois disso, começa a ficar chato para nós . Aí é hora de achar outra novidade, que pode ser no Parque Besançon, no  Jardim Botânico, ou lá em Padre Miguel.
                        Celebridade é coisa que o carioca não gosta. Aliás, ele faz questão de nem olhar para a celebridade. Lembro-me bem que o carioca se chateava quando um artista de cinema americano se demorava mais de uma semana na cidade. Diziam: “ mas esse chato ainda está aqui no Rio? “ E temos  horror a herói. Herói para o carioca é aceito apenas por um dia, depois achamos o herói um tremendo “muquirana”.      
                        E esse negócio de Autoridade também não é com a gente.
                        Recordo-me, ainda jovem, que cogitaram de convidar o Papa da época para visitar o Rio de Janeiro.
                        Às pressas cancelaram o convite, porque a turma do Rio  já estava  fazendo uma campanha para levar o Papa para dar o kick off, (chute inicial)  numa partida que seria jogada no Maracanã entre o Flamengo e o Fluminense.
                        Também não gostamos de ídolos, achamos de uma caretice sem par. Talvez, nem sei  o por quê, o Pelé seja uma exceção, mas assim mesmo tenho minhas dúvidas.
                        Vem-me à mente a figura do meu pai arrasando com o Pelé. Ele só era benquisto quando fazia uma boa jogada na seleção brasileira. Mas a maior parte do tempo de jogo, gostávamos mesmo era de vaiar o nosso craque. Você entende?