Saciedade, sociedade
Ainda chocado pelos acontecimentos de ontem na Escola Municipal Tasso da Silveira*, produzi o diálogo a seguir, uma peça de ficção na qual busco respostas para o ato brutal de que todos fomos vítimas:
- Estamos neste momento em local ignorado com o Vassoura. Obviamente ele não é conhecido por esse nome e a sua identificação não será possível por razões óbvias. Vassoura, líder maior de uma das mais atuantes facções no Rio de Janeiro, notabilizou-se por sua violência e rigor...
- Nada disso, parceiro. Num samo facção e nem eu tô com essa bola toda.
- E então, Vassoura, o que você tem a dizer dessa monstruosidade que aconteceu ontem em Realengo?
- Tô fora nesse tipo de assunto. Ninguém aqui faz isso. Nem chapado, pó ou outro bagulho. Se fizer, a gente passa o cerol rapidinho, tá ligado?
- Nunca houve coisa assim no Rio ou no Brasil, Vassoura.
- Muita covardia com as criança. Ainda bem que o malandro já era. Legal. Tá quietinho agora.
- O autor dos disparos tinha intimidade com as armas. Tinha até carregador...
- Todo brinquedo de fogo faz estrago. Mesmo os mais leve.
- Tinha também muita munição. Como você acha que ele conseguiu isso?
- É uma pergunta praquilo que tu chama de sociedade. Ou será saciedade?
- Você costuma ler, Vassoura?
- As veis uma prima minha deixa a revista Caros Amigo por aqui. Ela diz que é muito boa.
- Voltando à questão da munição: onde você acha que ele conseguiu? Será que comprou?
- Num vende em loja, tá ligado?
- Será que foi algum policial, alguém de farda? Ou o contrabando?
- Tu né bobo, não, hein parceiro?
- Ou será que foi alguém do tráfico?
- Aí, posso garantir que ninguém conhece o maluco na área. Nem os irmão, nem os alemão!
- Qual foi a opinião dos seus amigos?
- Ninguém entendeu nada. A gente só trabalha no necessário, tá ligado? Teve parceiro que ficou boladão. Aí, tem gente aqui cum filho na escola.
- Quer falar mais alguma coisa?
- Nada, parceiro. Já falei até demais.
Rio, 08/04/2011
*Escola Municipal Tasso da Silveira, Realengo, Rio de Janeiro, onde várias crianças foram assassinadas sem qualquer motivo, possivelmente por um desequilibrado mental (ou assassino serial).