APARÊNCIAS...MALDITAS APARÊNCIAS!
Hunnnn...como é bom comer melancia! Até me deu água na boca! Mas o mais engraçado é que apesar de gostar tanto parece que tem um dia dedicado só a melancia: o dia de finados.
Pois é, não sei dizer a origem desse costume, nem sei dizer se sempre foi assim em outros lugares, mas lá em Borrazópolis, cidade onde nasci, dia de finados é dia de comer melancia.
Faz três anos que já não moro mais lá e parece que esse costume foi ficando perdido na minha lembrança, assim como a razão de ir ao cemitério. Sim, porque antes eu ia “visitar os mortos” como se alguém estivesse realmente lá. Depois do afastamento deste costume, refleti sobre e pensei: independente de qualquer religião todo mundo sabe que no cemitério só tem ossos, certo? Afinal a carne se decompõe e tal, e então eu vou ao cemitério todos os anos ver ossos? Ora, que perda de tempo! Minha tinha e avó quase tem um acesso de raiva quando me ouvem falar assim, mas eu nem ligo, tenho opinião própria e respeito a delas, sei que elas concordam comigo mesmo que lá no fundo. E pensando um pouco mais sobre essa visita e tentando entender porque tanta gente vai lá neste dia tão especial, percebi que elas buscam o sofrimento, sim de alguma forma, como se neste dia tivessem de se privar da felicidade para dizer ou aparentar um “eu sinto muito”.
Aparências....maldita aparência que a sociedade exige e dá por louco a quem não preza por ela.....eu vou te contar uma história, que na verdade é um fato, mais fácil. Todos os anos junto com a melancia que o dia de finados exige, compram-se velas, fósforos e flores. Flores artificiais e naturais. Minha família compra das duas, mas 2 dias antes deste dia esperado, lavam os túmulos e deixam tudo brilhando, mesmo que chova no dia (sim, porque lá em Borrazópolis chove todo dia de finados), para no dia anterior levar as flores naturais e as de plástico. No grande dia, parece uma festa para os mortos, uma espécie de réveillon mortífero, porque tem velas, flores, lembranças, sorrisos, lágrimas e encontro de famílias, todos olham os túmulos e reparam como um passeio turístico, falam da decoração da coroa deste ou daquele túmulo. No que concerne a minha casa, que posso falar com segurança, pura aparência e direi por quê.
No dia 2 de novembro, o túmulo de meu avô e tio estão impecáveis, limpos e floridos. Os parentes da cidade olham e comentam, saem do cemitério e compram suas melancias para comer entre si após o almoço, em que lembra-se peripécias dos mortos. Passado a festividade, mais exatamente uns 2 dias depois, minha tia (porque minha avó está bem velha) vai até o cemitério com uma super sacola e pega de volta as flores artificiais colocadas no tumulo de meu avô e meu tio, sim! Ela faz isso, mas eu também já o fiz quando criança por propina (R$10,00), hoje não mais! Eu acho o cúmulo, afinal, era pr´o morto que ela diz que vai visitar, certo? Não se pega de volta o que se dá pra alguém, só porque o defunto não pode se defender? Que audácia!
Pois neste ano não foi diferente, as mesmas flores do ano passado estavam lá neste ano (2011) e dois dias depois retiradas. Perguntei a minha tia o porquê que ela não compra somente flores naturais, ela me falou que tem que comprar artificial também, pra deixar “mais bonito” pros outros verem, e que leva as flores porque custou caro e as recolocará no ano que vem já que “as pessoas” (eu não sei quem) roubam as flores dos túmulos. Eu particularmente, prefiro que outra pessoa pegue do que eu levar o que já não é mais meu, sei lá, energia negativa e tal....coisa mística. Continuo a achar que uma vez dado, não lhe pertence mais o objeto, ou você toma de volta o que deu de aniversário pra alguém? Não né! Já sei a diferença, ele está morto, ali só tem ossos, as flores artificiais são aparência, aquela que eu citei logo no começo, claro!, pois as naturais morrem e revelam descuido e esquecimento diferente das artificiais que estão sempre coloridas.
E é assim que fazemos da nossa vida, sempre querendo aparentar felicidade, bem estar, riqueza, e sem nenhum defeito, mantendo intacta a reputação aparente.
Aparências.....malditas aparências! ´inda bem que não preciso delas para viver! Sou o angú na sopa da família. A única coisa que guardo para o dia de finados é a melancia, que mesmo morando longe, reservei minha fatia e guardei na geladeira! Este prazer é sincero, é puro, e ninguém o tomará de mim, porque os grãos eu devolvo a terra e não furto-as de volta, deixo que elas venham a mim naturalmente e “oferecidamente” naquela fruta grande e vermelha cheia de água doce. Tão doce e aguada como o dia de finados!