PAGODE NA COBERTURA
A banda de Waldir era sucesso. O mais novo fenômeno das rádios. Tinha estourada a boca do balão bombando todas as festas. Waldir era só sorrisos e mulheres, muitas mulheres.
O músico influenciado por um corretor de imóveis oportunista aceitou a sugestão de compra de um apartamento de cobertura na Pituba. Jamais tinha passado pelo imaginário do jovem de periferia, agora artista notório, mudar-se do seu bairro longínquo – onde os caras da produção chiavam pra caramba, quando tinham que transportar o cantor até lá,- para o reduto dos barões do outro lado da cidade.
Ali, Waldir tinha construído o alicerce da sua meteórica carreira, o ensino fundamental não concluído na escola, a prática do oficio de cabeleireiro, os ensaios com cavaquinho na falta de clientes, os primeiros shows com o grupo de pagode e justo no bairro onde nasceu encontrou a deusa da sua vida. Jaqueline era o nome da moça.
Um metro setenta centímetros de pura sensualidade revestidos por um míni-macacão de lycra, que Jaqueline insistia em puxar para baixo, evitando que pulasse fora parte daquela tentação. A morena insinuava em colocar os seus dotes artísticos a serviço do grupo de pagode de Waldir, mas, sem êxito.
Contrato de compra assinado com o devido aval do seu produtor, Waldir, logo tratou de mudar-se para a nova moradia, não sem antes, marcar com seus amigos um churrasco com pagode levado a banho de piscina.
Sábado seguinte e tudo organizado: tantan afinado, picanha na brasa, caipirinha bem gelada e samba no gogó.
Três andares abaixo, os ouvidos desacostumados de dona Myrthes, mulher do síndico não conseguiam entender a amplitude de tamanha felicidade superior e logo, enviou o seu marido, Dr. Avelino Pacheco em missão de reconhecimento e interdição daquela farra.
Pacientemente, o Dr. Pacheco vestiu uma bermuda, pôs a camiseta e os chinelos e dirigiu-se à cobertura. Lá, tocou a campanhia, logo a porta foi aberta, o músico surpreso e gratificado, exclamou;
- Dr. Pacheco! Que prazer, o senhor por aqui? Pode entrar, a casa é sua. Vivinha, veja quem tá por aqui!
Maior foi a surpresa do síndico. Quase desespero.
Dr. Avelino Pacheco, clínico geral, lotado em um posto médico municipal no mesmo bairro onde morava o músico Waldir, era médico conceituado naquela comunidade, atendendo todos com a maior dedicação, em especial para Vivinha, irmã caçula de Jaqueline. Ela era o motivo dos constantes plantões dominicais do Dr. Pacheco na periferia.
Vivinha trouxe uma caipirinha e logo, estava enroscada no pescoço do amante.
O pagode continuava agora animado pela ilustre presença.
Dr. Pacheco sentado num sofá estava lívido. Era a caipirinha mais amarga de toda a sua vida.
D. Myrthes estranhando a demora do marido e a não interrupção da festa indesejada, resolve subir até a cobertura.
Sobe e toca campainha.
Seu Walter, pai de Waldir vai até a porta e abre.
Outro convidado especial.
Seu Walter fica regozijado.
- Estelinha, meu bem. Como você descobriu isso aqui? Entre minha filha. Venha conhecer os meninos da banda do meu filho.
D. Myrthes Pacheco saía todas às segundas-feiras à tarde para sessões com um renomado psicanalista da cidade. A terapia era substituída por alegres vesperais na Visgueira do Berto, reduto do arrocha na Ribeira. Estelinha era o seu codinome. Walter, viúvo, seu parceiro de baile e cama.
Estelinha entrou e foi apresentada a todos. Jamais tinha visto Avelino Pacheco na sua vida.
Mais uma caipirinha.
Fabí Pacheco era o exemplo de adolescente desejada por todas as famílias do edifício onde morava. Bom comportamento e boas notas. O estudo de mitologia grega associado às aulas de violino faziam de Fabí a nora perfeita em tempos de sexo, drogas e rock´n roll. Fabí estava teclando na internet quando ouviu sua mãe resmungar e sair decidida a acabar com o reggae na cobertura. Fabí fica intrigada pela demora e vai atrás.
A campainha toca mais uma vez.
Já chegou todo mundo.
Walmar, irmão mais novo de Waldir, assistente de palco do grupo musical vai até a porta e abre.
O mundo caiu.
- Fabi, cachorrona. Quem deu o alô pra você? Chega aí piriguete.
Está feito o convite.
Fabiana Pacheco era a rainha do baile funk no Flamenguinho de Periperi todos os domingos. Walmar era uns dos diversos e anônimos caras que ela “pegava” na zoeira. Há muito tempo a rotina de patricinha de shopping tinha sido substituída por deliciosas aventuras no Bonde das Cachorras do pancadão.
Mais uma caipirinha.
Avelino e Vivinha, Myrthes e Walter, Fabí e Walmar.
Há mais de dez anos que os Pachecos não se reuniam para um almoço em família.