É IMPORTANTE, MOÇO?

Segunda-feira, um dia normalmente sem grandes motivações. Acordamos cansados, mesmo tendo descansado no fim de semana. A carga de uma semana de exaustivo trabalho enverga nossas costas por antecipação ao primeiro grito do depertador, pobre injustiçado que apenas cumpre o seu trabalho mesmo sendo odiado pela gande maioria das pessoas.

Como todo bom brasileiro, acordo quase todas as segundas praguejando, porém hoje o dia era diferente, tinha algo especial em meu cronograma.

Na minha humilde cidade, existe uma biblioteca razoavelmente boa, que apesar desta qualificação, é pouco frequentada pelos habitantes "comuns", tendo como principais visitantes as crianças do ensino fundamental, um senhor aposentado e este que vos fala (ou escreve).

Nos cinco ou seis anos de cadastro que tenho neste estabelecimento, por mais que tenha ficado três anos fora da cidade, ostento uma ficha com mais de cinquenta empréstimos. Confesso que nem todos foram lidos, mas o aproveitamento foi bom.

Um mês atrás, como de costume, segui em direção à biblioteca na segunda-feira antes de ir para o trabalho, para trocar o volume que estava sob meu braço. Ao chegar no local, para o meu espanto estava fechado! A funcionária simplesmente entrou em licença e havia uma fila de crianças, com seus livrinhos coloridos, ansiosas assim como eu, o "tio da segunda-feira", por levar uma nova aventura em forma de páginas para casa.

Uma outra funcionária apareceu para apenas recolher os livros, sem dar a menor possibilidade de novos empréstimos. Fiquei revoltado, muito revoltado mesmo! Cheguei bufando no meu escritório e imediatamente liguei para a Prefeitura Municipal, afim de obter esclarecimentos por tal descaso. O máximo que recebi foi alguns resmungos mal educados e uma fraca promessa de que regulariam em breve o serviço.

Digo fraca, querido leitor, porque fiquei três semanas ligando, sem nenhuma fresta aberta na biblioteca nem respostas satisfatórias da secretaria de educação do município.

Escrevi no início que esta segunda era diferente. Na sexta-feira passada me prometeram que hoje a santa biblioteca estaria aberta. Acordei meia hora mais cedo, abri blogs de sugestão de leituras, elegi os autores mais cotados e fui, todo sorridente, para meu pequeno santuário literário.

Para minha alegria, estava aberta a portinha e meu coração saltou de satisfação. Entrei correndo e me embrenhei em meio às estantes. Meus olhos começaram a correr os volumes quando uma voz, quase inaudivel chamou a minha atenção: "Não vamos fazer empréstimos, moço".

Creio que se o próprio diabo tivesse apenas uma frase para me dizer neste dia, seria: "Não vamos fazer empréstimo, moço"! A raiva se apossou de mim e marchei cego em direção à pobre funcionária, que se encolheu ao perceber a cólera queimando em meus olhos.

-Como assim não vai fazer empréstimo?- inquiri cerrando os dentes.

-É urgente, moço?- choramingou a senhora.

-Acredito que toda leitura é!- metralhei desgostoso.

-Eu sei, mas só daqui a trinta dias voltaremos a fazer empréstimos!- executou meu algoz.

Ensaiei uma resposta, mas apenas resmunguei e saí com o queixo afundado no peito.

"É importante?" Esta pergunta hipócrita e gelada martelou na minha cabeça a manhã toda. É claro que é importante! Eu não seria "eu" sem a leitura! O mundo não seria "mundo"!

Enfim, estamos quase em novembro, daqui a trinta dias esta mesma funcionária, que com certeza nunca leu um livro em sua vida, vai entrar em férias e as crianças com seus livros coloridos e o "tio da segunda" ficarão apenas na vontade de desbravar as longinquas terras da literatura.

Tristes abraços.