O Cão
Era um cão sem raça e sem dono, que perambulava pelas ruas do bairro. Mas não era um cão vadio qualquer, tinha até nome, dado pelos moradores: Zé.
Dizer que era sem raça, era até ofensa. Não tinha pedigree, é certo, nem características definidas de raça alguma. Mas tinha ares altaneiros, altivos, de quem sabe quem é e o que quer.
Vadio não era. Apenas livre, sem peias nem coleira. Por isso vagava sobranceiro, nobre, digno, observando o mundo ao seu redor. Ninguém lhe impunha os rumos do passeio, nem lhe dizia quando era chegada a hora de parar. Decidia tudo isso por si mesmo, o Zé. Era seu dono.
Dizer que era sem dono, equivale a dizer que era sem teto, e também sem alguém que lhe provesse o de-comer. Em termos. Por não ter um dono fixo e obrigado a dar-lhe sustento, encontrara vários.
Sem-teto, mas não invasor. Fica à espera, do lado de fora dos portões, que tem noção de propriedade e privacidade. Quando alguém saía porta a fora, Zé o encarava com seus olhos mansos, ternos, quase humanos. Era praticamente certo que aquele a quem o olhar fora dirigido, voltasse sobre seus passos em busca de algo para o Zé.
Irresistível, o olhar do Zé. Os moradores dos apartamentos, de suas janelas e varandas, vendo o Zé a passear, desciam com a merendinha para o cão. Até porteiros e faxineiras dos edifícios, sabendo que ali era possível rota do Zé em seu passeio, deixavam discretamente na calçada, um pratinho de comida e uma tigelinha de água. Bem mimado, esse Zé, cão sem dono só no nome.
E assim seguia o Zé, sem dono mas alimentado, livre, escolhendo a cada noite o cantinho de rua onde pousar a cabeça e dormir. Pela manhã, repousado, retomava sua vida de andarilho, de explorador das belezas do mundo.
Tornara-se conhecido no bairro, personagem típico, saudado por todos os que por ele passavam. Os homens, presos a inúmeros compromissos, apressados na luta pela vida. Zé, o sábio, calmo e tranquilo em seus vagares, na certeza de que alguém proveria o de que necessitasse. Levava sua vidinha de cão.
Um dia, o Zé sumiu. A gente passava pelas ruas e não o via. Aos portões das casas e edifícios, pratinhos cheios, mas abandonados. As pessoas às janelas, procurando ver se o Zé aparecia, preocupadas com o que lhe teria sucedido, se estaria alimentado, doente. Será que foi pego pela “carrocinha”?
Cadê o Zé?
Não sabemos o que houve com ele, se foi desta para melhor, embora parecesse bem satisfeito com esta, não procurando melhor. Ou só mudou de bairro, buscando novas paisagens, novas gentes? Pode dar-se que em outro bairro, cansado de ser solitário, tenha encontrado outro cão por companhia. Ou então, em outra área, tenha sido tratado com mais consideração e carinho, o que não creio possível, visto que aqui era muito bem tratado e considerado. Mas, se assim foi, foi deste (bairro) para melhor...