TEMPO IMPIEDOSO

Lembro como se fosse ontem, mas já se passaram 15 anos. Como o tempo é irônico e melindroso, prendendo nossos dias em esperas cansativas ou voando em lembranças boas ou não.

Eu morava em Curitiba com um tio meu enquanto minha mãe era destruída por um câncer impiedoso na cidadezinha de União da Vitória.

Ela me disse, deitada em sua cama com o rosto corado, mostrando que a vida ainda habitava seu corpo, que seria melhor eu me afastar durante o seu tratamento e que fosse um bom garoto independentemente do desfecho daquela história. Na noite seguinte embarquei para a capital do estado viver com meu tio Zique.

Dois anos depois, em uma madrugada fria e tomada pela neblina típica de Curitiba, tocou o telefone rasgando meu coração adolescente, já ciente da notícia que seria transmitida pelo aparelho. Minha mãe passava a ser um corpo inerte.

Chorei pouco, as lágrimas insistiam em se esconder e a viagem para o interior foi confusa, trazendo um misto de dúvida pela perda e de uma bomba relógio ensurdecendo com seu tic-tac chegando ao fim.

Ao colocar o pés no solo da infância, já não havia brincadeiras, sorrisos ou alegrias, tudo era cinza. Meu tio me guiou pelo braço até a capela municipal e o cheiro das flores, o ajuntamento na calçada e meu irmão parado na escadaria esboçando um pálido sorriso fúnebre encerraram a contagem regressiva da bomba relógio e então desabei. Chorei de dor.

Não consegui ver minha mãe descer à sepultura, fiquei em um banquinho, tão gelado quanto o meu coração, no outro lado do cemitério.

Até hoje, quando acordo nas madrugadas, imploro à Deus para que o telefone não toque quando houver neblina, para que o tic-tac nunca mais ecoe no meu peito.

As perdas são devastadoras. Tempo impiedoso, tem compaixão de nós!

:(