A Banalidade do Mal
Hannah Arendt foi cobrir o julgamento de Adolf Eichmann em Israel com ansiedade: não saberia como reagir diante de um monstro como aquele que mandou milhares de judeus para os campos de concentração com simples canetadas. Eichmann, quando a guerra apertou para o lado dos alemãos, chegou a propor um acordo para os americanos: trocar 100 judeus por um caminhão novinho.
Lá estava o ex-oficial nazista, dentro de uma redoma de vidro ladeada por policiais, com um fone no qual o tradutor lhe explicava do que estava sendo acusado. No fundo, Eichmann já sabia.
Arendt se decepcionou. Eichmann não parecia um homem desumano, muito pelo contrário, lembrava e muito um homem comum. A decepção se tornou preocupação. A filósofa alemã concluiu que qualquer homem comum pode se tornar um monstro, como Eichmann. Afinal, quem sustentou o delírio de Hitler ou de Mussolini foram pessoas comuns. Ditaduras não sobrevivem sem alguma espécie de apoio do povo.
Por que o homem comum apoiou tantas barbaridades? Por que lhe parecia certo na hora, afinal a Alemanha precisava se levantar e o Fuehrer dizia que os judeus eram os obstáculos para isso. Por que estava apenas obdecendo ordens. Por uma série de motivos.
Mas no fundo, eles sabiam o que estavam fazendo. Por que não reagiram? Por que, de certa forma, gostavam disso.
Em cada pessoa há um instinto que clama por poder, por selvageria. É uma parte do inconsciente. Alguns juram de pés juntos que sabem delimitar a parte do cérebro responsável por essa ânsia de violência. O caso é que ninguém está imune dela. Alguns sabem controlá-la melhor que outros, só isso. Essa é a banalidade do mal, conceito criado por Arendt para exprimir essa tendência a cometer atos desumanos. Ao contrário do que ela pensava antes de testemunhar o julgamento de Eichmann, a maldade não é feita somente por pessoas excepcionalmente más, mas também, e, principalmente, por pessoas comuns.
Umberto Eco, anos mais tarde, diria que o Fascismo não era apenas um movimento político totalitário que surgiu na Itália na década de 20. É mais que isso. É uma parte de nosso ser. Cada um de nós tem esse sentimento de apelar para a violência, de passar por cima dos outros como se fosse um trator, de se achar superior, de se achar no direito de humilhar pessoas que considera mais fracas que nós. No dia-a-dia ele pode se manifestar das mais diferentes maneiras. Não há como eliminá-lo, vaporizá-lo. Mas há como domesticá-lo.
E você? Anda domesticando seu pequeno fascista interior?