Profissão Feirante

O sol estava quente naquela manhã de domingo. Algumas pessoas caminhavam pelas ruas da cidade apressadas para fugir do calor, enquanto outras sentavam-se tranqüilas à sombra de uma banca de pastel ou na grama em embaixo de árvore com a família. As crianças corriam freneticamente uma atrás das outras entre a multidão ou atrás de um cachorro qualquer que circulava despreocupadamente por ali. De repente, ouve-se um grito agudo e cansado: “Bacia de batata é só um real, vamos lá freguesia”. É Gilza Andrade, uma senhora de 64 anos, que acorda cedinho no domingo, prepara o almoço para o marido e sai às pressas para trabalhar na feira de Artur Nogueira.

Por trás de uma blusa branca suja pelas caixas de tomate que precisa carregar, Gilza esconde os dias em que durante sua juventude trabalhou como aeromoça na Varig. Mas o que ela não consegue esconder são as gotas de suor que escorrem pelo seu rosto enquanto grita para a multidão que passa em sua frente.

Às 9h30, Gilza faz uma pausa. Ela senta em cima de um dos sacos de batata atrás da banca e respira fundo enquanto prende com grampos dourados o cabelo bagunçado e suado. Não demora muito para Gilza ouvir a voz de Leandro, o filho caçula dos donos da banca. “Carne moída, frango ou queijo, tia Gilza?”, pergunta o garoto mostrando uma sacola cheia de pastéis. “A tia não come carne, querido”, diz a senhora. “Esqueci”, fala o garoto colocando rapidamente a mão no rosto e correndo de volta para o pai.

Gilza é religiosa, vegetariana, tem um filho na Suíça e confessa com um sorriso no rosto que trabalhar na feira é terapia. “Não estou aqui por necessidade, mas para ter um contato com as pessoas”, diz enquanto coloca o troco na mão do cliente.

Raimundo Dias, o patrão de Gilza, circula constantemente entre as caixas de maças usadas para guardar o dinheiro das vendas. Ele sabe que as notas de maior valor devem ficar protegidas em seu bolso, a final são 47 anos de feira. O homem de bigode comprido e óculos ovais não gosta de gritar para atrair o freguês, prefere agradar com um pedaço de melancia ou desconto na hora do pagamento. Raimundo lembra que começou pequeno, com uma barraquinha e alguns sacos de batata. Mas, hoje, conta emocionado que criou os três filhos com o trabalho na feira: “Minha banca cresceu, agora ela tem 32 metros de comprimento, 10 pessoas trabalhando, contando minha família e eu, e um caminhãozinho”.

Leandro Dias, filho de seu Raimundo e amigo de Gilza, tem 8 anos, mas atende as pessoas que passam pela banca com se fosse gente grande. “Ele aprendeu com o pai e vendo a gente trabalhar”, explica sua irmã Audeneide Dias.

Enquanto oferece um copo de refresco para os colegas de trabalho, Leandro atende os clientes. Ele gosta de vender morangos, mas não vê dificuldades quando precisa pesar algumas bananas ou somar as compras maiores. “Sabe quantos vídeo games eu tenho?”, pergunta o garoto. “Sete. Mas domingo eu não jogo, prefiro ficar aqui ajudando meus pais”.

Leandro estuda e brinca com os amigos durante a semana, mas no domingo não deixa a família e o trabalho por nada. Quando a irmã pergunta se ele gosta da feira, o garoto não fala nada, simplesmente levante as sobrancelhas, sorri envergonhado e sacode a cabeça respondendo afirmativamente.

Os que chegam às 7h para saborear um pastel ou uma pamonha, como Leandro, pensam que é cedo e a feira ainda não começou. Entretanto, enganam-se. A feira começa de madrugada, enquanto muitos dormem ou acabam de chegar em casa depois de uma festa. O feirante, porém, inicia seu serviço ainda na penumbra, descendo do caminhão os sacos de batata, as caixas de tomate e os ferros que compõem a estrutura da banca.

Gilmar Alves faz isso todos os domingos há 2 anos. Ele acorda às 4h da manhã, dá um beijo na esposa, toma um café amargo, coloca seu boné vermelho e sai pela noite de Artur Nogueira até chegar no lugar da feira. Gilmar trabalha com Gilza, no entanto, não acorda cedo para fazer terapia, mas para acrescentar alguns reais no orçamento da família. “Durante a semana eu trabalho registrado, mas o dinheiro não dá para sustentar os filhos”, explica o homem de 36 anos. Gilmar conta que o mais difícil em ser feirante é acordar cedo no domingo e deixar a família sozinha no único dia em que poderia estar com ela.

Mas, Gilmar sabe que na feira não dá para se lamentar. Assim, o dia amanhece e aquele vazio entre as bancas começa a tomar forma, cores, cheiros e sons. Em cada esquina um quadro diferente: pode ser algumas mulheres sentadas em cadeiras de praia bordando toalhas e roupinhas de bebê, pode ser várias pessoas enfileiradas a espera de um pastel feito na hora ou pode ser um homem cansado que acordou cedo, e que agora, a espera de um cliente e outro reclina a cabeça em uma das vigas da banca e lembra do sorriso dos filhos, enquanto é interrompido por uma voz: “Quanto é a batata, moço?”

Cabreira

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Enviado por Cabreira em 21/12/2006
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