MEMÓRIA AMEAÇADA
Modéstia à parte, sempre tive uma memória privilegiada, tanto que não costumava fazer apontamentos nos meus tempos de estudante, a não ser quando o professor exigia.
Na verdade, eu aproveitava muito mais ouvindo e escrevendo apenas palavras-chave ou tópicos. Assim, desde que não me distraísse naquele momento, guardava tudo na memória, e nem precisava estudar muito para fazer provas, bastava dar uma rápida olhadinha nos tópicos e, na hora, ia lembrando as palavras do mestre sobre o assunto. Nesse sentido a timidez até me ajudou, pois ficando quieta e calada a concentração era maior.
As aulas de História do Coronel Raul, por exemplo, eram as minhas preferidas, especialmente porque ele contava a História e a ilustrava no quadro (o Cel. Raul era artista plástico dos melhores e foi meu mestre nas artes visuais). “Viajei” muito pelo Egito antigo, pela Mesopotâmia; “vi” D. Pedro I decretar a independência do Brasil às margens do Ipiranga; “conheci” Ricardo Coração de Leão e Alexandre o Grande; a Regência Una de Feijó e os sermões do Padre Antonio Vieira. Era demais! O toque da campainha até incomodava, pois me despertava daquele quase êxtase, interrompendo aquela viagem fantástica no tempo. Escrever? Que nada! Só no dia da prova, isso quando não era oral, o que era ainda melhor.
Até hoje aplico essa técnica dos tópicos nas reuniões do colegiado ou qualquer outra situação em que seja necessário fazer ata, relatório ou quaisquer documentos. É claro que faço muito exercício mental, por exemplo: memorizar o número da página do livro que estou lendo (não dobro nem uso marcador), não usar agendas (onde já se viu secretária que nunca usou agenda?), muita palavra cruzada, jogos que exigem concentração e raciocínio rápido, entre outros.
Contudo, em decorrência da péssima qualidade do meu sono, que de tão superficial, não passa de um cochilo, minha memória está ameaçada, já sofrendo pequenas avarias.