A difícil arte de ser leve
 
Embora ande meio perrengue para ler, por causa da lassidão provocada pela secura, não resisto ao cheiro dos livros e continuo farejando-os e entocando para dias de fome. Assim é que leio um pedaço aqui e outro ali me fartando com pouco e transformando-o em muito.

Em uma dessas minhas visitas a Livrarias, no caso a Crepaldi, vizinha de minha Fábrica de Pães, trouxe comigo o livro de Leila Ferreira, A arte de ser leve. Escritora e entrevistadora de TV é tida em alta conta por amiga minha e embora eu pouco saiba dela, me fiei no tecido de minha amiga e resolvi conhece-la melhor.

O livro é um convite à leveza. Leila fez um trabalho sério, diligente e amplo, entrevistando pessoas sobre o tema. Logo no comecinho ela se propõe a começar sua pesquisa por ela própria – decide a começar a carregar menos peso na vida. E isso inclui eliminar o peso que carrega nas malas quando viaja.
Por mais de uma vez, viajando, alguma amiga minha diz: Como você consegue trazer tão pouco nas malas e trazer tudo o que precisa? Não é verdade – por mais que me esforce ainda volto com roupas limpas que não foram usadas. E ao contrário, todos se assustam com o peso que carrego nas bolsas. Eu mesmo fico abismada pensando em como consigo carregar tanto. Resolvi então iniciar um processo de esvaziar minha bolsa de uso cotidiano para me tornar mais leve.

A bolsa que estou usando por esses dias é muito bonita. Usei-a muito pouco, mas sempre é elogiada. É uma bolsa xadrez em preto e branco, difícil de combinar harmoniosamente com minhas becas. Quando alguém diz como ela é bonita, chique, elegante eu não resisto e conto que a comprei em Veneza. Mas depois continuo não resistindo e estrago tudo contando como foi que a comprei. Fui seguida por um imigrante africano, o negro mais negro que já vi, da Praça São Marcos até nosso ônibus de turismo, me convencendo a comprar a bolsa. Do preço inicial de cento e cinquenta euros ele chegou a quinze, quando eu, já dentro do ônibus capitulei, desci e fiz a compra. Por um momento imagino que para tornar a minha vida física mais leve eu deveria mesmo é me livrar dela, mas em seguida percebi que não teria essa história para contar e me sinto bem leve quando a conto e imagino o imigrante negro, vestido de verde quase correndo atrás de mim (seria um queniano?) e me sinto muito leve assim, como se estivesse correndo em uma ampla pradaria africana, fugindo de um caçador armado com uma falsa bolsa sei lá de quem.

Então eu peguei a minha bolsa, pendurada na maçaneta da porta. Três divisões bem nutridas. Minha carteira vermelha que comprei recentemente para substituir a que a Regina, minha irmã norte americana trouxe dos United, bem novinha ainda, mas sem lugar para talão de cheques. Comprei-a por esse motivo prático e por outro bem mais interessante: quem usa carteira vermelha não fica sem dinheiro, crendice de sei lá que país, mas que acho bem poética. Notei então que ela tem um porta moedas. Hora de começar o descarte – o porta moedas que eu trouxe de Paris vai para a pilha do cai fora. Também para a pilha do cai fora vai o estojo com três canetas, uma lapiseira, uma borracha e uma pequena régua. Só fica a caneta azul, com a qual anoto na agenda e no bloquinho de notas coisas que me interessam. Como já são mínimos, ficam. Mas cai fora a calculadora verde. O celular fica, apesar de bem grandinho, quase um tijolinho. Três chaveiros com suas chaves, elas ficam, um deles será substituído, o do macaquinho vermelho que herdei de uma bolsa que dei. Uma carteira bem legal, que uso para cartões e documentos da empresa, tem que ficar. Mas a bolsa sobressalente que carrego dentro da bolsa, essa vai ter que ser reavaliada: - uma pinça e uma lixa. A lixa fica, minhas unhas sempre lascam. A pinça sai, nunca a usei fora de casa. Sai a tesourinha. Sai o espelho 3x4, já que não consigo me ver nele, o pente que nunca usei, Sai a mini escova de dente, quase nunca como fora de casa, só um lanchinho bobo depois das três. E o dentifrício, o bloqueador solar, o tubinho de perfume, o batom, a toalhinha de mão, o par de óculos e seu estojo e quer saber? Sai até o batom. Melhor ainda, sai a bolsa sobressalente que não serve para nada a não ser quando viajo. Só serve para pesar e me fazer ficar com um ombro inclinado. Portanto fora as bolsas pesadas e viva a leveza sustentável do ser.