O LIVRO QUE VIROU SUCO

Pra quem não sabe, há aquela história dos originais do meu livro de charge que desapareceram misteriosamente de dentro de uma gráfica que pertencia a um conhecido empresário meio jornalista e meio escritor que mantinha estreitos laços com o Poder.

Eu publicava a charge diária em um jornal de Fortaleza e, diariamente, metia o pau na administração municipal e na atuação pífia dos vereadores. Os edis então, se sentindo importunados pelas charges, passaram a pressionar o editor do jornal, pedindo a minha cabeça.

- Pode deixar excelência, amanhã mesmo boto o Newton Silva na rua!

- E aí, chefe. – perguntei ao editor – Tô demitido ou não? Diga logo que ainda não fiz a charge!

- Meta a chibata nesses cornos!

A charge veia comeu de esmola no outro dia. Foi quando o então presidente da Câmara me mandou uma proposta para publicar um livro de charges em troca de maneirar o teor das charges tendo todo o apoio da Câmara Municipal de Vereadores.

Um livro de charges? Era uma boa ideia. Eu nem sabia que as charges estavam incomodando tanto os edis para tentarem me comprar. Antes disso tinha sido até aprovada na Câmara uma moção de desagravo, que eu nunca fui lá para saber se era verdade.

O advogado da Câmara então me procurou formalmente e disse que eu deveria procurar o tal empresário, pois a Câmara tinha um crédito na gráfica e iriam fazer uma permuta.

Cheguei lá com os originais do livro “No céu da Pátria nesse instante” e fui logo dizendo:

- O presidente dos vereadores mandou imprimir e colocar na conta da Câmara.

O empresário me olhou por cima dos óculos sem nenhum entusiasmo e mandou deixar os originais do livro em cima da mesa dele, pois já ia mandar fazer o fotolito. (A pasta era enorme com o meu nome escrito em vermelho). Uma semana depois voltei lá para saber a quantas andava a impressão do dito cujo.

Ele falou: livro, que livro? Num vi não.

Eu expliquei a tal história e ele pareceu ter se lembrado e chamou um funcionário para procurar a tal pasta, que era enorme. Nada. Rodamos a gráfica toda. Tinha uma sala entupida de trabalhos impressos e originais velhos e amarrotados. Procurei em todo lugar. A pasta tinha sumido. O tal funcionário que não lembro mais o nome me falou em off:

- É aquele livro com os desenhos das baratinhas?

Ele tinha lembrado, enfim. Eu perguntei se ele sabia onde estava. Foi quando ele falou:

- “O dotô mandou dar sumiço”.

Até hoje, não sei quem era o tal “dotô”. Quem iria querer dar sumiço num livro véi de charges?

A explicação oficial é que a tal pasta fora vítima de uma inundação na gráfica, pois tinha chovido muito. Até hoje não descobri. O livro sumiu, o empresário morreu, os que sabiam de alguma coisa se calaram. O livro virou suco e eu não fui comprado por muito pouco.

Acredito que o tal “dotô” que deu a ordem de sumiço dos originais, pensou que dando fim neles, também estaria dando fim ao chargista. Na mesma época fui demitido do jornal. Fiquei sem publicar. Naquele tempo não tinha essa coisa de internet.

Para concluir, parafraseio o grande jornalista pernambucano Antônio Maria:

“Que tolos, eles pensam que o chargista desenha com as mãos.”