Quem mora no litoral, ou melhor, quem curtiu a infância e a adolescência na beira da praia, certamente possui momentos inesquecíveis na lembrança.
Lembro-me da sensação de afundar nas ondas do mar por horas a fio. Dos dedos murchos por conta do banho exageradamente demorado e do cheiro de sal grudado na pele seca no sol, feito charque.
Sinto, como se fosse hoje, a dor da areia fina açoitando minhas pernas magrelas em dias de vento sul. Às vezes o vento virava e trazia com ele - do norte ou nordeste - a chuva.
Aprendera isto com meu pai, tão bom pescador quanto contador de histórias. Por ele conheci espécies do mar que hoje só se vê em livros, pois não nadam mais por estas praias. De todos, ficou registrada em minha mente infantil a imagem bizarra de um peixe com a cabeça estendida para os lados em forma de martelo.
Estive na beira da praia há poucos dias. Um grupo de pescadores puxava uma rede mirrada, de uma época que mal se vê tainha e papa-terra em abundância. O vento cortava frio como na minha infância e me dei conta de que raramente me permito estas sensações.
O absurdo se dá no fato de continuar vivendo próximo ao mar e, que apesar da natureza ter surrupiado alguns dos meus direitos - como o de ver o peixe martelo ao vivo – muitas coisas ainda estão tais e quais eu deixei no passado. A única diferença é que me esqueci de experimentá-las.
Amadureci. A constatação gelou minha mente muito mais do que o vento nordeste naquela tarde. Expulsei completamente da minha alma o dispositivo que potencializa as emoções, como todo adulto que abdica do direito de viver intensamente e assume o dever de subsistir meramente.
Que grande cilada, minha cara! Falei para mim mesma enquanto caminhava contra o vento e de encontro a minha identidade fragmentada. Você perdeu a sensibilidade com tanta naturalidade que sequer percebe a realidade robótica em que vive. O vento bate em suas pernas e você foge para se abrigar em um lugar seguro, menos arriscado. A água chama para que venha se banhar com ela, mas você nega veementemente a possibilidade de arruinar seus cabelos e sua pele com o sal. Os peixes sorriem por entre as tramas de nylon da rede e você nem viu. Está ocupada, preocupada, organizando mentalmente os próximos minutos e horas que esperam por você depois que deixar a beira da praia, depois que voltar ao seu habitat natural mecanicista. Você cresceu minha querida, e desaprendeu a viver no presente.
Gente grande não vive agora, vive daqui a pouco, amanhã, daqui a um, dois, dez anos. Adultos projetam o amanhã para sentirem-se normais, espertos e importantes. Preocupam-se com a aposentadoria, com a velhice segura, em deixar heranças polpudas, terras, bens, e não podem perder tempo com a besteira de sentirem-se plenos no presente, como se viver fosse um verbo a ser conjugado apenas no futuro.
Paro um pouco, alongo, respiro. O mar a minha frente revolve minha memória e traz lembranças repletas de cheiros, de sons, de sabores, de emoções ainda vivas. Então, percebo que mal lembro o que comi ontem, ou que roupa eu usei. Onde passei o natal passado? O que fiz naquele feriadão? Como é mesmo o nome daquela pessoa? Quem foi que me contou tal coisa?
Preciso fazer muito esforço para recordar-me de coisas que vivi recentemente, enquanto lembro com precisão de detalhes dos momentos na praia, vividos há mais de vinte anos.
Não é o tempo que nos rouba a memória, é a pressa de viver. Não é envelhecer que enrijece as emoções, é essa urgência absurda de chegar ao futuro antes que ele aconteça. Preocupados com um tempo que ainda nem existe paramos de sentir, de experimentar e de viver com alma. Assim, perdemos as lembranças ainda jovens e morremos antes da morte.
Não voltei a ser criança naquela tarde na praia, tampouco exterminei o equivoco que se criou em mim ao tornar-me adulta (quem dera fosse simples assim), apenas me permiti ali, naquele momento, no único tempo que realmente me pertence, ser plenamente feliz.
http://nasala-deespera.blogspot.com
www.maisacontece.com.br
www.jornalenfoquepopular.com.br
Lembro-me da sensação de afundar nas ondas do mar por horas a fio. Dos dedos murchos por conta do banho exageradamente demorado e do cheiro de sal grudado na pele seca no sol, feito charque.
Sinto, como se fosse hoje, a dor da areia fina açoitando minhas pernas magrelas em dias de vento sul. Às vezes o vento virava e trazia com ele - do norte ou nordeste - a chuva.
Aprendera isto com meu pai, tão bom pescador quanto contador de histórias. Por ele conheci espécies do mar que hoje só se vê em livros, pois não nadam mais por estas praias. De todos, ficou registrada em minha mente infantil a imagem bizarra de um peixe com a cabeça estendida para os lados em forma de martelo.
Estive na beira da praia há poucos dias. Um grupo de pescadores puxava uma rede mirrada, de uma época que mal se vê tainha e papa-terra em abundância. O vento cortava frio como na minha infância e me dei conta de que raramente me permito estas sensações.
O absurdo se dá no fato de continuar vivendo próximo ao mar e, que apesar da natureza ter surrupiado alguns dos meus direitos - como o de ver o peixe martelo ao vivo – muitas coisas ainda estão tais e quais eu deixei no passado. A única diferença é que me esqueci de experimentá-las.
Amadureci. A constatação gelou minha mente muito mais do que o vento nordeste naquela tarde. Expulsei completamente da minha alma o dispositivo que potencializa as emoções, como todo adulto que abdica do direito de viver intensamente e assume o dever de subsistir meramente.
Que grande cilada, minha cara! Falei para mim mesma enquanto caminhava contra o vento e de encontro a minha identidade fragmentada. Você perdeu a sensibilidade com tanta naturalidade que sequer percebe a realidade robótica em que vive. O vento bate em suas pernas e você foge para se abrigar em um lugar seguro, menos arriscado. A água chama para que venha se banhar com ela, mas você nega veementemente a possibilidade de arruinar seus cabelos e sua pele com o sal. Os peixes sorriem por entre as tramas de nylon da rede e você nem viu. Está ocupada, preocupada, organizando mentalmente os próximos minutos e horas que esperam por você depois que deixar a beira da praia, depois que voltar ao seu habitat natural mecanicista. Você cresceu minha querida, e desaprendeu a viver no presente.
Gente grande não vive agora, vive daqui a pouco, amanhã, daqui a um, dois, dez anos. Adultos projetam o amanhã para sentirem-se normais, espertos e importantes. Preocupam-se com a aposentadoria, com a velhice segura, em deixar heranças polpudas, terras, bens, e não podem perder tempo com a besteira de sentirem-se plenos no presente, como se viver fosse um verbo a ser conjugado apenas no futuro.
Paro um pouco, alongo, respiro. O mar a minha frente revolve minha memória e traz lembranças repletas de cheiros, de sons, de sabores, de emoções ainda vivas. Então, percebo que mal lembro o que comi ontem, ou que roupa eu usei. Onde passei o natal passado? O que fiz naquele feriadão? Como é mesmo o nome daquela pessoa? Quem foi que me contou tal coisa?
Preciso fazer muito esforço para recordar-me de coisas que vivi recentemente, enquanto lembro com precisão de detalhes dos momentos na praia, vividos há mais de vinte anos.
Não é o tempo que nos rouba a memória, é a pressa de viver. Não é envelhecer que enrijece as emoções, é essa urgência absurda de chegar ao futuro antes que ele aconteça. Preocupados com um tempo que ainda nem existe paramos de sentir, de experimentar e de viver com alma. Assim, perdemos as lembranças ainda jovens e morremos antes da morte.
Não voltei a ser criança naquela tarde na praia, tampouco exterminei o equivoco que se criou em mim ao tornar-me adulta (quem dera fosse simples assim), apenas me permiti ali, naquele momento, no único tempo que realmente me pertence, ser plenamente feliz.
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