Os outros

No local onde trabalho, atrás da minha cabeça, na estante de livros, um grande porta-retratos com uma bela foto amarelada onde posa minha turma da quarta série. Uma amiga de trabalho, que não é amiga de infância, me identificou na foto pela minha cabeça ligeiramente inclinada para baixo. Claro, isso me pôs a pensar um pouco sobre o fato e o porque de eu andar com a cabeça um pouco baixa. É realmente um sacrifício pra mim manter o queixo apontado para frente. Uma festa para alguns psicólogos, não é mesmo? Mas eu bem sei que há mais em minha cabeça “ligeiramente inclinada para baixo” do que resquícios de uma velha timidez, fruto do medo de sofrer e de uma baixa auto-estima infantil.

Observando bem a foto relembro e constato que eu estava entre os alunos mais altos. Eu sempre fui, nos primeiros anos de escola, o mais novo da turma e também sempre um dos mais altos. Sou um homem alto, sim, apenas para os padrões latino-luso-americanos, com um metro e oitenta e cinco. E posso saber que sempre fiz de tudo para ter um bom diálogo com as pessoas. Parte desse esforço é meu antigo hábito de abaixar a cabeça na tentativa de igualar minha estatura à da pessoa com quem falo, para, desta forma, tornar a conversa mais “igual”, imaginando o incômodo em se conversar com alguém tendo que olhar para cima. Neste caso, a cabeça baixa nada teria a ver com problemas de auto-estima – até muito pelo contrário. Na verdade não é só minha cabeça que se abaixa, mas minha coluna não é cem por cento ereta, em virtude disso. Me manter ereto é também, em algumas vezes, um sacrifício. Viver sempre requer pequenos sacrifícios, todos os dias e de várias naturezas.

Um clichê muito disseminado em nossa cultura é o famoso “Seja você mesmo”. Se ser eu mesmo significa negligenciar a atenção ao alheio, então eu opto por ser os outros, pois eu preciso dos outros para viver. Os outros. O que significa dizer: a sociedade. A sociedade é nossa mãe e nossa irmã. Devemos atenção à ela. Ou seja, aos outros. Em linguagem antropológica isso se chama Alteridade. O interesse pelo outro. O interesse pelo que é diferente de mim. Eu preciso entender que ser eu mesmo significa ser a soma de tudo o que aprendi com os outros. Por isso eu preciso respeitar muito qualquer pessoa. Nos nunca podemos antever qual pessoa no mundo está prestes a nos dar um valioso ensinamento. Respeitar cada pessoa não é um ato de benevolência. É saber trocar, neste grande jogo da vida onde o melhor é que não haja vencedores nem perdedores: apenas câmbio e soma de conhecimento. E conhecimento é uma coisa muito séria, que está para além do saber científico, inclusive. Ele pode ser social e pode ser orgânico. É isso.

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